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terça-feira, 24 de abril de 2007

Bodas de Pérola





Bodas De Pérola

Há 30 anos enfiando a porrada na cachorrada



Em 1977 eu tinha acabado de fazer 13 anos e por me considerar adulto achava que já podia fazer tudo que me desse vontade. Evidentemente que eu estava muito mal informado, mas sei lá a troco de qual mentira consegui convencer minha mãe a me deixar ir ao Maracanã sozinho, sem caronas ou qualquer adulto supervisionando. Peguei o 434 (ou seria 464?) na Men de Sá com a minha camisa do Flamengo comprada na Marius Sport com numero costurado e embarquei na aventura cheio de certezas, como se sempre fizesse aquilo todos os domingos. Tava cheio de cagaço mas disfarçava bem.

Cheguei mais ou menos às 2 horas da tarde e arrumei um lugar na Raça Rubro-Negra, a nova torcida que propunha um novo jeito de torcer; de pé o tempo todo e cantando sem parar. Na época, uma maluquice total que afastava os torcedores mais tradicionais e atraia a molecada toda. Rolou a preliminar, que vencemos bem com grande atuação de Leandro e de uma dupla de zaga que impressionava pelo porte; Ney e Cidade, dois negões tamanho GG que acabaram revelando um talento inversamente proporcional ao volume. Acabou a preliminar e eu lá, sózinhão no Maior do Mundo, me achando pra caralho.

O Flamengo principal estava cheio de novidades naquele Carioca que seria o primeiro da FAF, a Frente Ampla pelo Flamengo que levou Márcio Braga pela primeira vez à presidência do clube. Os novos contratados como Carlos Alberto Torres na quarta zaga, Carpegiani na meiúca, e Osni, um ponta direita anão (não é exagero, 1,40 cm) que viera do Vitória já tinham participado da tétrica estréia no Carioca, um empate em um gol com o Olaria muito do mal jogado. Às 4 da tarde o Maracanã já estava bombado, mais de 120 mil pagantes prum joguinho da quinta rodada de Taça Guanabara e o Flamengo nem era líder. .

Mas era o Botafogo cheio de craques trazidos num troca-troca desastroso para o Fluminense; Gil, Manfrinni, Rodrigues Neto, Paulo César Caju e que ainda tinha Mendonça e o folclórico Dé Aranha, entre outros matungos, que estava na moda e vitaminou aquela bilheteria. E pra aumentar ainda mais o favoritismo do time de Marechal Hermes o Mengão continuava sem poder estrear o atacante contratado por uma fortuna ao Santos. Um negão que os otimistas diziam ser o próximo Pelé e os pessimistas suspeitava que aos 23 anos já estaria irremediavelmente bichado. Como não podia escalar Cláudio Adão, Cláudio Coutinho continuava escalando como centroavantes os já então folclóricos barbudinhos Luisinho Tombo ou Marciano, que não combinavam muito com sua concepção moderna de futebol.

O jogo começa e o Botafogo aperta o Flamengo com jogadas rápidas pelas pontas com Gil e Paulo César, Mendonça domina o meio campo e não há maneira de fazer a bola chegar no pé de Zico, muito marcado por Renê e Osmar. Marciano? Esse nem via a bola. Lá na frente o Botafogo perturbava muito a defesa, o Dé provocava o Deus da Raça desde o apito inicial. O jogo não estava nada bom pro pra nós. Eu, já naquele idade bem paranóico, imaginava que a culpa era minha, que idéia idiota tinha sido aquela de ir sozinho ao Maracanã, sem os amigos, sem aquele apoio moral pra esses momentos difíceis? Com o Flamengo perdendo eu não via em cada rubro-negro um irmão, me via cercado de perfeitos e estranhos desconhecidos.

A torcida deles sacaneando à vontade, os babacas todos com os seis dedinhos estendidos, balançando os braços vulgarmente. Naquele tempo a nossa torcida combatia essa presepada de 6 x 0 contando compassadamente de 1 a 9 e terminando num estrondoso Parabéns Pra Você! Pra agonia dos torcedores de um Bostafogo que parecia amaldiçoado para nunca mais ganhar Cariocas. Antes de terminar o primeiro tempo Ademir marca pro Botafogo e já começava a rolar um desânimo perigoso quando o morto Marciano acha uma bola espirrada pela defesa e joga nas redes de Zé Carlos aos 44. Beleza, eu não tinha culpa de nada.

Os times voltam pro segundo tempo sem modificações mas com uma diferença visível, é evidente que o Botafogo não vai agüentar repetir a correria e marcação sobre pressão e aos 15 do segundo tempo eles estão pregados e com meio metro de língua pra fora. O Flamengo bem que tenta se aproveitar, Carpegiani avança mais um pouco e começa a municiar o ataque e Zico sem a forte marcação cria uma chance atrás da outra, todas canhestramente desperdiçadas por Marciano. A torcida quer matar o barbudinho, xinga ele de tudo e pede Luisinho como quem pedia Pelé,Euzébio e Gerd Muller num jogador só. O capitão Coutinho já começa a ser brindado com alguns Burro! mas ainda sem muita experiência e seguindo a etiqueta militar da época faz o estilo centralizador e não dialoga com a arquibancada. Até que eles dão um vacilo e numa saída errada de bola Osni se antecipa, cruza pra área, Zico passa pela bola levando dois marcadores com ele num corta-luz de gênio e ela sobra limpa pro horroroso Marciano. Ele mete o pé e manda pro saco, 2 x 1, festa indescritível na arquibancada e eu ali no meio, sem nenhum adulto supervisionando, gritei e pulei como nunca tinha feito antes pelo Flamengo. Beleza, eu não era um pé-frio quando ia sozinho ao jogo.

Muito bom. A galera passa a gritar o nome de Marciano e a cantar: Um, dois, três, Botafogo é freguês! (o engraçado não é a ingenuidade do primitivo cântico mas a imprecisão estatística, já que naquele tempo os fregueses éramos nós) e eu lá no meio amarradão naquela vitória épica. A arquibancada não pára de gritar É Marciano!, É Marciano! É Marciano! Sabem o que o Coutinho fez então? Tirou o Marciano e colocou o Luisinho faltando uns 10 minutos pra acabar. Logicamente Luisinho Tombo entrou vaiado e não fez absolutamente porra nenhuma. Mesmo após 40 anos do fato eu continuo sem entender porque o Coutinho fez aquilo.

Nesse dia 17 de Abril de 1977 o Flamengo formou com Cantarelli; Toninho, Rondinelli, Carlos Alberto Torres e Júnior; Merica, Carpeggiani e Zico; Osni, Marciano (Luisinho) e Luis Paulo.



Mengão Sempre


* A foto é de um Flamengo x Botafogo de 1975
Arthur Muhlenberg

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