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sexta-feira, 29 de maio de 2009

O Campeonato Carioca de 1963 e o Fla-Flu dos 200 mil - Recorde de Público entre jogos de clubes do Mundo


O Campeonato Carioca de 1963 e o Fla-Flu dos 200 mil

1963. Oito longos anos se passaram desde que o Flamengo levantara sua última taça de campeão estadual, justamente o tricampeonato em 1955. Desde então, o clube até montara bons times (como o campeão do Torneio Rio-SP de 1961), mas sempre faltava alguma coisa, o título escapava por algum detalhe. A verdade é que, sem dinheiro, não havia espaço para contratações caras, e os elencos eram sempre inferiores aos dos rivais. Mas a “seca” de títulos já incomodava.

E o cenário para o Carioca daquele ano não era dos mais promissores. O Botafogo era o atual bicampeão e partia com tudo para o tri. Nem a perda da Taça Brasil daquele ano, após derrota (0-5) para o Santos parecia abalar o time de General Severiano, que tinha estrelas como Garrincha, Nilton Santos, Zagalo, Manga e Amarildo. O Fluminense, terceiro lugar no Rio-SP, parecia ser o principal rival. Tinha uma equipe arrumadinha, muito bem treinada por Fleitas Solich (herói do tri do Flamengo em 55), na qual se destacavam o goleiro Castilho, os defensores Altair e Procópio e o perigoso atacante Escurinho, além do garoto Carlos Alberto Torres. Mesmo o Bangu, patrocinado por Euzébio e Castor de Andrade, montara um time de respeito, onde sobressaíam Ubirajara, Zózimo (titular da seleção campeã mundial no ano anterior), o velocíssimo Paulo Borges e o goleador Bianchini. No comando, o respeitado treinador Tim.

E o Flamengo? O time não vinha fazendo uma boa temporada, terminara o Rio-SP num pífio 7º lugar e acumulara derrotas em recente excursão à Europa. O grande ídolo da equipe, Dida, já começava a vislumbrar o final da carreira. Os principais nomes eram os meias Carlinhos (o Violino, dono de um toque de bola refinado), e Nelsinho, eterno parceiro. Outro nome de destaque era o lateral-esquerdo Paulo Henrique, que anos mais tarde serviria a Seleção Brasileira na Copa de 1966. No ataque, os velozes ponteiros Espanhol e Osvaldo Ponte-Aérea abasteciam o centroavante trombador Aírton Beleza, que tinha enorme facilidade para acumular gols e confusões. Do Atlético-MG, o clube havia trazido o jovem e promissor goleiro Marcial. Mas o craque do time era o meia-armador Gerson, o Canhotinha de Ouro, que tinha grande facilidade de chegar ao ataque e marcava muitos gols. Contudo, Gerson não tinha um bom relacionamento com o treinador Flávio Costa, numa rusga que vinha desde a decisão do Carioca de 1962.
Começa o campeonato, e para surpresa de muitos o Flamengo sai na frente, acumulando seis vitórias seguidas, entre elas um categórico 3-1 no Botafogo (que aliás, com seus jogadores estafados com seguidas excursões, é a decepção da competição). Junto com o Flamengo, o Bangu também emplaca várias vitórias e assume a liderança. O Fluminense vai correndo por fora. O Mengão, que começara bem, inicia uma série de tropeços e acaba o primeiro turno em terceiro lugar, a dois pontos do Bangu. O campeonato daquele ano, com 13 times, era disputado em pontos corridos. Lembrando que a vitória valia 2 pontos.

Segue a competição, e o Flamengo continua deixando escapar pontos importantes. Empata com Botafogo e Madureira e já vê o Bangu abrir 4 pontos de vantagem (o Fluminense está 2 pontos na frente do Fla). Pior, perde Dida, negociado para a Portuguesa. Dida já não era o craque dos anos 50, mas ainda era uma referência importante para a equipe. Mas o clube, em dificuldades financeiras, viu na proposta da Lusa a possibilidade de fazer algum dinheiro. Porém, o golpe maior é a saída de Gerson, negociado com o Botafogo a pedido de Flávio Costa, seu desafeto. Sem seus dois principais jogadores, ignorado pela mídia (encantada com o Bangu de Tim), e a uma distância aparentemente inalcançável dos líderes, o Flamengo via a aparente chegada de mais um ano na fila.

Mas aí o que parecia inacreditável começa a acontecer. O Flamengo inicia uma arrancada espetacular, marcada por vitórias suadas, sofridas, dramáticas (1-0 Bonsucesso, 2-0 América, 2-1 São Cristóvão, 2-1 Olaria). Vem o clássico contra o Vasco. 15 minutos, e o rival já abre 2-0. A derrota significaria o fim do sonho. Termina o primeiro tempo, o time escapa de ser goleado. Vem a segunda etapa, o Flamengo voa em campo e empata. O Vasco faz mais um. Mas, na marra e empurrado pela torcida, o Flamengo vira para 4-3, num dos mais sensacionais jogos da história contra o bacalhau. O time está na briga, até porque Bangu e Fluminense começam a tropeçar. O Fluminense perde pro Botafogo (0-3) e empata com o América (0-0). O Flamengo agora está um ponto à frente dos tricolores. O Bangu abre dois gols, perde inúmeras chances, mas cede o empate para o América (2-2) e já começa a ver o Flamengo no retrovisor.

Numa atuação fantástica, talvez a melhor da equipe no campeonato, o Flamengo mete 3-1 no favorito Bangu, e agora só está a um ponto do time de Moça Bonita. Mas ainda resta o jogo entre Fluminense e Bangu, e num jogo considerado “estranho” pela crônica, os tricolores vencem por 3-1, eliminando os banguenses do campeonato. Falta uma rodada, a decisão será entre Flamengo e Fluminense. O Flamengo é líder, e joga por um empate.

Foi uma semana que parou a cidade. Como relata uma crônica da época, “um sujeito da minha rua morreu anteontem. No velório dava pra ver a cara amarrada do defunto, pois iria perder o jogão.” Não se falava em outra coisa nos jornais e nas rádios, o nível de mobilização para o Fla-Flu decisivo foi algo absurdo. A torcida do Flamengo, ansiosa por um título que não via há oito anos, estava inquieta, apreensiva e eufórica, como só um rubro-negro sabe ser.

Chega o dia do jogo. 177.656 pagantes estabelecem o recorde mundial de público numa partida entre clubes, marca que provavelmente jamais será batida. Mais: juntando-se o público não-pagante divulgado, tem-se o total oficial de 194.603 pessoas presentes no estádio. Uma multidão que na realidade de hoje parece algo inverossímil. Vinte por cento da cidade estavam no Maracanã naquele dia.

A partida começa cautelosa. Fleitas Solich conhecia a índole rubro-negra, imaginava que o Flamengo, uma hora ou outra, iria partir ao ataque, e assim poderia explorar os contragolpes, principal arma do Fluminense. Mas Flávio Costa já havia perdido uma Copa do Mundo em situação semelhante, não iria cometer o mesmo erro novamente. Assim, colocou o Flamengo atrás, prendendo os ponteiros e os meias, ignorando os gritos de sua torcida e fazendo o torcedor rubro-negro sofrer até o apito final.

O Fluminense tenta tomar a iniciativa, mas a cada ataque mais ousado o Flamengo responde com Espanhol, que está bem no jogo. Os tricolores, assustados, preferem manter um jogo mais paciente, o rubro-negro não cai na armadilha, permanece atrás. E assim termina o primeiro tempo, num tenso 0-0. Ninguém sai do lugar. Uma atmosfera de nervosismo permeia o estádio, que parece um rastilho de pólvora perto de explodir.
Começa a segunda etapa, o Fluminense sai mais. Mas Flávio Costa prefere manter o Flamengo mais cauteloso, tenta embolar o meio-campo. Aos poucos, o domínio tricolor começa a se traduzir em oportunidades de gol. Evaldo arranca pela direita, recebe livre e cruza pra trás, mas na hora do chute Escurinho é travado por Luís Carlos e a bola sai. Logo depois, o ponta Edinho passa por Paulo Henrique, cruza e Escurinho emenda, mas a bola explode na trave. O Fluminense está melhor e parece mais perto do gol. A torcida rubro-negra sofre, rói os dedos de ansiedade. A figura do goleiro Marcial já começa a se destacar com defesas seguras. Os zagueiros Ananias e Luís Carlos dão a alma em campo, seguram o ataque adversário no grito, na porrada, do jeito que dá. Mas a pressão é enorme. Tabelinha tricolor na área do Flamengo, a bola repica para Edinho, que fuzila pra fora, à esquerda. A pressão não tem fim, o time do Flamengo parece sem pernas.

Agora faltam 10 minutos. Fleitas Solich manda o time ir todo à frente, agora o Flamengo vai ser só defesa. O clima é insuportável, o relógio parece ter parado para o torcedor rubro-negro. Marcial começa a fazer uma defesa atrás da outra. Cruzamentos, chutes de longe, tiros à queima-roupa, o goleiro flamengo pega tudo. Os jogadores do Fluminense começam a mostrar desânimo com a atuação de Marcial. Faltam poucos minutos, o tempo vai passando lentamente, a raça dos 22 jogadores é inebriante. Nervosa, a torcida tenta incentivar, mas ninguém tira os olhos da partida. O jogo vai acabar. Mas de repente, uma bola vai pro tricolor Evaldo, que tromba com Marcial, a sobra cai limpinha nos pés de Escurinho, pedindo “me chuta”. O gol está aberto. O Fluminense vai abrir o placar. Marcial consegue se levantar e se põe na frente de Escurinho, mas o atacante é mais rápido e toca por cobertura. O lance de gol é tão claro que a torcida tricolor chega a comemorar, transida de tensão. Mas o inacreditável acontece: o iluminado Marcial, como um gato, dá um pulo pra trás e consegue alcançar a bola. Cai no chão, e se levanta erguendo a pelota, como um troféu. As duas torcidas irrompem num “ooohhhh”. Acabava de se consumar uma das mais espetaculares defesas da história do Maracanã.

Depois desse lance, o Fluminense entregou os pontos de vez, resignado com a atuação sobrenatural do goleiro do Flamengo. Não demorou, o árbitro trilou o apito, fazendo o Rio de Janeiro explodir em festa. O Flamengo era, após oito anos, novamente o dono da cidade. Uma conquista tipicamente flamenga, com todos os seus elementos característicos: time pouco cotado, arrancada no final, jogos ganhos na raça e na alma. Poucas vezes na vasta história de campeonatos ganhos pelo clube um título tenha traduzido tão fielmente o que era “Ser Flamengo”.

Crédito: http://flamengonet.blogspot.com/

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