O Flamengo entrava com moral para a disputa do Torneio Rio-SP de 1961. A equipe havia acabado de conquistar o prestigiado Octogonal de Verão, competição que envolveu algumas das principais equipes da América do Sul, como Boca Juniors, River Plate e Nacional-URU.
A base da equipe dirigida por Fleitas Solich tinha como principais destaques o veloz ponta Joel, os mortíferos atacantes Henrique e Dida e dois jovens talentos que a cada dia vinham se firmando como a referência do time, o clássico volante Carlinhos (apelidado de Violino pela leveza de seu futebol) e o maestro Gerson, que mesmo com a pouca idade já exibia a liderança que mais tarde iria celebrizá-lo. Dotado de magistral perna esquerda, que conjugava incrível precisão nos passes com uma estupenda força nas finalizações, Gerson já chamava a atenção da imprensa do RJ, que enxergava nele um jogador diferenciado. Só precisava dosar um pouco mais seu temperamento difícil.
Além desses destaques, o time ainda dispunha da garra dos experientes defensores Jadir e Jordan, o voluntarismo do zagueiro Joubert e a correria dos irrequietos atacantes Germano e Babá. Não era um time virtuoso, mas sabia conjugar qualidade técnica com incrível espírito de luta, bem ao gosto do torcedor flamengo.
O Torneio Rio-São Paulo contava com 10 equipes ao todo, divididas em duas chaves, a dos cariocas e a dos paulistas. Na Primeira Fase, todos os times se enfrentavam entre si, classificando-se as três melhores de cada chave para a Fase Final, onde apenas eram disputadas três rodadas, onde os times do RJ enfrentavam as equipes de SP. O time que somasse mais pontos nessas três rodadas seria o campeão.
E o Flamengo estreou bem, com uma vitória apertada sobre o São Paulo, de De Sordi, Benê e Canhoteiro, no Pacaembu. Babá abriu o placar na primeira etapa e o ponta Peixinho empatou para os paulistas já na etapa final, mas logo depois Dida definiu os 2-1 que selaram o bom início rubro-negro. A seguir, o Flamengo, ainda no Pacaembu, bateu o Palmeiras (de Valdir de Moraes e Djalma Santos) num jogo eletrizante e movimentado, que com 15’ já registrava empate em 1-1, gols de Henrique para os cariocas e Humberto para os paulistas. Ainda na primeira etapa Dida colocou o Flamengo em vantagem, mas no início do segundo tempo Chinezinho empatou novamente para o Palmeiras. Mas Dida, sempre decisivo, marcaria o gol que deu a vitória ao Flamengo por 3-2. Dois jogos, duas vitórias e a liderança da chave carioca. As coisas não poderiam começar melhor. Mas logo viria a tempestade.
Animada pelos dois jogos iniciais, a torcida do Flamengo compareceu em massa ao Maracanã para a partida seguinte, exatamente contra o Santos de Pelé. O time praiano vinha voando na competição, havia passado por cima de Vasco (5-1) e Fluminense (3-1), no famoso jogo do gol de placa de Pelé. Mas os 90 mil torcedores flamengos acreditavam que o time seria capaz de parar os santistas. Doce ilusão. Jogando um futebol de outro planeta, o Santos abriu 2-0 na primeira etapa, com Pepe e Pelé. O Flamengo, guerreiro, foi com tudo ao ataque buscando reverter a desvantagem, mas os contragolpes santistas se mostraram mortíferos. E os gols saíam um atrás do outro, um verdadeiro massacre. No fim, o placar do Maracanã estampou o retrato da hecatombe: o Flamengo saía de campo derrotado por inacreditáveis 7-1 (só Pelé marcou quatro vezes), a sua maior derrota em jogos no Maracanã até hoje. Resignada, a torcida flamenga protagonizou algo raro, aplaudindo entusiasticamente o genial time adversário.
A derrota abalou a equipe, que acabou facilmente envolvida pelos dois adversários seguintes, saindo novamente derrotada nos clássicos contra Fluminense (0-2, em jogo nervoso onde Gerson acabou expulso) e Botafogo (0-3, em grande atuação de Garrincha). A essa altura, a classificação já estava ameaçada.
E foi num Maracanã semi-deserto que o Flamengo conseguiu sua reabilitação, vencendo a Portuguesa por 2-0 em jogo de fraco nível técnico. Os gols da equipe foram marcados por Babá e Dida, já no segundo tempo. A seguir, o rubro-negro enfrentou o bom time do América (campeão carioca do ano anterior). Carlinhos e Gerson abriram dois gols de vantagem, mas Quarentinha descontou a sete minutos do final, e o Flamengo precisou suportar grande pressão dos americanos, mas conseguiu segurar o importante 2-1. Agora, bastava derrotar o Vasco para assegurar a classificação para a fase seguinte.
O Vasco vivia uma fase de transição, mas sempre era um clássico complicado. O cruzmaltino, de Bellini, Coronel e Sabará, já entrou em campo classificado, mas mesmo assim começou melhor e abriu o placar com Delém. Mas, empurrado pela torcida presente em maior número, o Flamengo exerceu pressão fortíssima, e chegou ao empate com Gerson, ainda no primeiro tempo. No fim, o maior volume de jogo do Flamengo prevaleceu, e o time chegou à vitória com um gol do xodó Babá. Final, Flamengo 2-1 e a vaga assegurada para a fase seguinte.
Talvez em função da vaga antecipada, o time tenha entrado acomodado para o último confronto, contra o Corinthians no Pacaembu, onde foi derrotado com facilidade (0-3). Ao final da Primeira Fase, seguiam adiante Botafogo, Vasco e Flamengo pelos cariocas, e Santos, Corinthians e Palmeiras, pelos paulistas.
A primeira rodada apresentou incrível superioridade dos times do RJ. Vasco e Botafogo derrotaram Santos e Corinthians, respectivamente. Enquanto isso, o Flamengo, em jornada extremamente agressiva e motivado pela torcida passou por cima do Palmeiras no Maracanã, impondo categóricos 3-1, gols de Joel, Dida e Gerson, descontando Humberto para os paulistas.
O jogo seguinte foi a revanche contra o Santos, no Pacaembu. O time paulista não tinha Pelé, é verdade (estava contundido. Zito também estava fora), mas contava com Pepe, Coutinho, Mauro Ramos e Mengálvio, e era considerado favorito, ainda mais em função da goleada do Maracanã. Entretanto, nem o mais otimista torcedor rubro-negro imaginava o que estava por vir. Jogando com "a faca nos dentes" e contando com uma atuação de gala de Gerson (talvez a sua melhor partida no rubro-negro), o Flamengo enlouqueceu a defesa santista com movimentações rápidas e muita aplicação tática. Os velozes Joel e Germano simplesmente demoliram o adversário, assombrando os pouco mais de 5 mil presentes ao estádio (era jogo pra 50 mil, no mínimo, tal o nível da atuação). O time abriu CINCO gols de vantagem, com três de Gerson e dois de Dida, e só após reduzir o ritmo cedeu espaço pro Santos, que descontou já nos minutos finais, com Coutinho. Final, Santos 1-5 Flamengo. A honra flamenga estava lavada com gols. A humilhação do Maracanã havia sido devolvida.
O Torneio chegava à última rodada. Flamengo e Vasco lideravam, com 4 pontos e duas vitórias cada, seguidos de perto pelo Botafogo, com três pontos. Os times paulistas já não tinham chance de título. Mas, já nos últimos jogos, o Palmeiras acabou ajudando o Flamengo, ao derrotar o Vasco por 1-0, tirando as chances do cruzmaltino. Contudo, o Botafogo venceu o Santos (2-1) e passou a somar 5 pontos, o que obrigou o Flamengo a derrotar o Corinthians no Maracanã. Um empate forçaria a realização de jogo extra. Derrota flamenga dava o título aos botafoguenses.
Cerca de 40 mil pagantes foram ao Maracanã empurrar o Flamengo na final contra o Corinthians. O time alvinegro era limitado, mas vigoroso. E deu muito trabalho ao rubro-negro, que parece ter sentido a responsabilidade do jogo e não começou bem. O Corinthians assustou com uma bola na trave e várias chances perdidas, mas o goleiro Ari estava bem na partida. Mas o Flamengo também foi à frente, especialmente com Joel, o melhor em campo com grande atuação. Dida desperdiçou chance incrível, sozinho diante do goleiro adversário. No fim, o primeiro tempo terminou mesmo em 0-0.
Mais calmo, o Flamengo dominou amplamente a segunda etapa. Por ordem de Fleitas Solich, o time passou a explorar mais as jogadas pela esquerda, com o arisco Germano. E de tanto insistir, o rubro-negro acabou saindo na frente, após esperta finalização de Joel, já aos 13’ da segunda etapa. O gol inflamou torcida e time, e o Flamengo continuou em cima, perdendo várias chances. Até que, aos 21’, Joel fez bela jogada pela ponta direita e cruzou rasteiro, para Dida escorar e dar números definitivos ao marcador. O Corinthians ainda tentaria diminuir, mas o Flamengo soube administrar a vantagem, e com os 2-0 sagrou-se pela primeira vez campeão do Torneio Rio-SP. Foi o último título de Fleitas Solich como treinador do Flamengo.
O herói – Joel, que entortou a marcação corintiana, marcou um gol e fez a jogada do outro tento;
O destaque – Gerson. Atuando mais próximo ao gol, como um autêntico camisa 10, o habilidoso e temperamental meia desfilou categoria e personalidade nos gramados de Maracanã e Pacaembu. Com lançamentos precisos e um chute muito forte, Gerson era o cérebro do time. Suas atuações na fase final assombraram o país, especialmente na goleada contra o Santos, em que esteve simplesmente perfeito, marcando três gols.
O artilheiro – Dida, com 8 gols. O goleador alagoano também vivia grande fase, e aproveitou vários passes açucarados de Gerson para decidir jogos importantes para o Flamengo.
A curiosidade – Em função das atuações no Rio-SP, Gerson foi pela primeira vez chamado para a Seleção Brasileira principal, para a disputa do Torneio Bernardo O’Higgins, no mês seguinte. Gerson já havia atuado em seleções olímpicas.
O gol – Joel, o primeiro nos 2-0 da decisão contra o Corinthians, escorando bola alçada na área. O gol deu tranqüilidade ao time e abriu caminho para a vitória e o título.
A melhor partida – Santos 1-5 Flamengo (19/04/1961), um verdadeiro show de Gerson e Dida, lavando a alma rubro-negra e vingando a dolorosa derrota da fase anterior.
O time do jogo final – Ari, Joubert, Bolero e Jordan; Jadir e Carlinhos; Gerson, Joel (Othon), Henrique, Dida (Norival) e Germano.
Quem também atuou – Fernando (goleiro), Nelinho (defensor), Hilton (defensor), Hugo (meio-campo), Luís Carlos (meio-campo), Moacir (meio-campo), Babá (atacante), Manuelzinho (atacante), Espanhol (atacante)
Treinador – Fleitas Solich
Presidente – Oswaldo Gudolle Aranha
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