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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Entrevista com o ídolo Leandro


Publicamos trechos da entrevista do ídolo Leandro. A entrevista foi cedida ao jornalista Leo Borges, do jornal Na Jogada, de Cabo Frio.

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José Leandro Souza Ferreira seria mais um brasileiro comum se seu talento não tivesse sido descoberto e aproveitado. A história começou há 35 anos, por um dos acasos da vida. A caminho de prestar o vestibular, no Rio de Janeiro, o ônibus onde estava parou em frente à Gávea, sede do Flamengo, e, dali em diante, a história de amor de Leandro com o Flamengo e com o futebol ganhou outro patamar.

A intervenção dos “deuses do futebol” foi fundamental para que o talento desse cabofriense não fosse perdido. Ainda jovem, Leandro foi dado como “desenganado” para o futebol por causa das suas pernas arcadas e de seu já problemático joelho.

Mesmo assim, a carreira prosseguiu, e por 14 anos, um dos melhores jogadores em sua posição em todos os tempos defendeu apenas duas camisas: a do seu Flamengo de coração e a da seleção brasileira.

O desfile pelos gramados do mundo inteiro foi curto, encerrando precocemente a carreira aos 29 anos.  Tempo suficiente para inspirar e eternizar sua grandeza, retratada em forma de estátua na Praia do Forte, principal ponto turístico de Cabo Frio, “quintal” da sua casa, onde jogou futebol por muitos anos.

Considerado por muitos o maior lateral-direito de todos os tempos, o cabofriense Leandro conta um pouco da sua história em uma entrevista especial onde fala da sua carreira, sobre seu tempo no Flamengo, sobre a seleção e até da Cabofriense. Leandro abriu o verbo e não titubeou ao responder perguntas polêmicas sobre sua carreira e sobre seu tempo como jogador. Até hoje idolatrado pela torcida do Flamengo, conta de tudo um pouco.



Chegada ao Flamengo
Eu sempre gostei muito de futebol, era chamado nos dias de hoje de fominha. Aqui em Cabo Frio eu jogava na praia, futsal, futebol de campo, em todas as peladas eu estava. Minha vontade de ser jogador profissional e, principalmente, no Flamengo era imensa, já que era meu time de coração. Então fui fazer um pré-vestibular no Rio, em 1976, e surgiu uma oportunidade de fazer um teste no Flamengo. E foi engraçado, porque não estava programado de fazer o teste. Fui com meu primo à praia do Leblon e, na volta, o ponto final era em frente à Gávea. Aí meu primo disse: “Faz um teste no Flamengo”. Aí eu disse que só fazia se ele pedisse, porque eu era muito tímido. Ele conseguiu e marcaram o teste. Nem chuteira eu tinha, peguei emprestada e o número dela era dois a mais do que eu calço. Fiz o teste e fui aprovado em apenas dois treinos. Aconteceu tudo rápido.

Pai e filho torcedores rubro-negros
O Flamengo não é o Flamengo pós-Leandro jogador. É de nascença. Meu pai, a gente não mede o sentimento rubro-negro. Sempre falam que um é mais rubro-negro que o outro, mas papai considero ele um dos maiores rubro-negros que existe e que eu conheço. Sabe torcer, sabe perder, é sarcástico nas brincadeiras. O pessoal em Cabo Frio sabe que não dá para sacanear ele, tá sempre com uma saidinha, uma resposta pronta. Na derrota ou na vitóriaDe radinho de pilha, ele me levava, aos domingos para deitar na cama dele.  Em 69, tinha 10 anos, uma passagem curiosa: a gente tava assistindo a uma final do Fla-Flu e o Fla tava perdendo. O rosto dele meio triste, preocupado e tal. Aí eu saí e fui na sala, ajoelhei e rezei. Pedi “Papai do Céu, faz o Flamengo empatar pra ver uma alegria no papai”. Aí o Dionísio empatou com um golaço de cabeça. Comprei um vinil, era o Jorge Cury narrando: “Murilo ultrapassa a linha divisória do gramado e levantou a boca da meta, Dionísio de cabeça, é golaaaaaço”. É assim a minha ligação com o Flamengo, de sair daqui com grupo para o Maracanã. Fundaram até uma torcida aqui em Cabo Frio do Flamengo. Acompanhei isso tudo, depois virei jogador, com todas as feras no Flamengo ao meu lado, Zico, Júnior, e aí você perde um pouco do torcedor, passa a jogador, só que com a responsabilidade, o lado torcedor de criança passa para dentro do jogador. Toda vez que entrava em campo, me transformava, era o vermelho e preto em pele mesmo. Sempre dei tudo pelo Flamengo, quando era uma derrota iminente, eu ficava pensando na tristeza, na vibração todinha do torcedor. Ele é um dos alicerces, me ensinou muito. Diziam no Maranhão que eu não joguei nem metade do que meu pai jogou. Ponto de apoio da minha família, ele que acreditou em mim. Minha mãe fez ele ir no Flamengo perguntar se eu tinha chance. Acho que dentro da educação, gerou tudo, você se forma dentro de casa para o bem e para o mal.

De torcedor para jogador
Foram 16 anos. Passa muito rápido. A minha carreira foi meteórica, não pensava em ser jogador profissional. Fui para o Rio e fui para a praia. Lá pedi para treinar. Foi uma, duas e deu certo. Em dois anos já estava no profissional, disputando o Carioca e sendo campeão. Uma loucura, cara! Você sabe o que foi?!! Eu sou reconhecido no Rio, nos shoppings e até em outros estados. Você saber que fez alguma coisa de grande, de importante e que a gente nem pensava nisso. Aqui de Cabo Frio, a vida da gente dá umas reviravoltas meio malucas. Com o talento que Deus me deu eu soube aproveitar. Treinava muito, gostava do que eu fazia, não queria e não gostava de perder.

Flamengo, único clube
Em 79 eu tive um problema no joelho, voltei a sentir dor depois da operação em 78, aí o Flamengo não podia ficar só com um lateral e contratou o Carlos Alberto. Fui para o Internacional e fiz o primeiro exame lá. Tinha passado, fiz o coletivo, e o Ênio Andrade tinha me escalado para jogar contra a Ponte Preta, já no domingo, pelo Campeonato Brasileiro. Aí eu fiz o outro exame, e o outro médico achou que a minha contratação não seria boa, dizendo que eu teria no máximo mais dois anos de vida no futebol. Graças a Deus ele botou esse médico na minha frente e eu retornei ao Flamengo. Foram dias difíceis até o final de 80. Depois, em 81, eu vim a ser convocado pelo Telê, e teve a minha estreia como titular jogando o jogo todo. O Telê me botou no jogo contra a Bulgária e foi no Estádio do Beira Rio. Ganhamos de 3 a 0 e eu fiz um gol. Um tapa de luvas que eu dei no médico lá.

Lateral ousado e zagueiro clássico
Algumas pessoas me chamavam a atenção. Eu tive uma birrazinha com o Rondinelli por isso, mas eu não fazia de propósito, eu não queria fazer firula. Na verdade como eu não gostava de dar chutão, eu via a possibilidade de sair jogando e fazia isso. Eu fazia numa de limpar a jogada, não de menosprezar o adversário. Eu queria fazer a jogada para ajudar meu time. No futebol, você tem segundos para decidir o que fazer, e eu decidia por fazer isso.

História com o goleiro Raúl na final de 82, contra o Grêmio
Não era só com o Raul, né? Mas por termos ficado juntos muito tempo, éramos companheiros de quarto na concentração, sempre brincávamos. O Flamengo no todo era uma grande família, todos torciam pelo sucesso do outro. Quando você tem uma amizade, acaba brincando com a pessoa. E o Raul conta nas entrevistas, sempre que perguntam de mim, sobre a final do Brasileiro contra o Grêmio, lá no Olímpico. O Grêmio estava pressionando muito agente, e sempre que a bola sobrava para o Raul, ele dava chutões na bola. Aí eu virei pra ele e disse: “Essa bola não vai adiantar Raul, ela vai voltar, é pior. Joga aqui pra mim”. E ele teimoso não queria mandar a bola. Mas eu estava reclamando tanto que ele com raiva mandou uma “pedrada” pra mim. Aí eu matei no peito e dei um lençol no Odair e sai jogando tranquilo. Voltei falando assim: “Joga em mim porque eu jogo pra cara... mesmo. Confia em mim, pô”. (Risos)

O apelido “Peixe Frito”
Na verdade tem várias versões. Que eu me lembre, tinha uma barraca, não sei se Kiquinho ou Babau mesmo, que vendia um peixe frito e onde eu tomava um choppinho. Daí caiu lá na Rádio Globo que a barraca era minha, aí colocaram Leandro Peixe Frito. Mamãe ouvia, botou o rádio de manhã cedinho e aí tinha uma chamada: acorda Peixe Frito, como tá o tempo em Cabo Frio. Ela ficava injuriada. Falava: “botei um nome tão bonito, Leandro, no meu filho para chamarem ele de Peixe Frito”.(risos).

Ano de 81, o melhor da carreira
Eu subi em 78, fiz 11 jogos pelo Flamengo, quando fomos campeões cariocas, e o Toninho era o titular. Em 80 fiz algumas partidas pelo Brasileiro, mas me firmei mesmo em 81, como titular da posição, com a saída do Toninho. Teve a oportunidade do Telê Santana, que me convocou pela primeira vez, e acho que dali eu engrenei, eu realmente subi na carreira.

Trinta anos da conquista do Mundial
Fica uma saudade grande. Às vezes me pego recordando lances do jogo e parece que foi ontem, mas já se vão 30 anos. Foi um ápice de um grupo vitorioso, bem unido, um grupo formado praticamente todo ele dentro do Flamengo. Essa é uma grande diferença em relação aos clubes atuais. Não existia nenhum tipo de vaidade, mas sim uma amizade e cumplicidade muito grandes. Além dos jogadores que formaram esse time de um nível técnico muito bom, a gente tinha essa amizade que faz com que um grupo seja vencedor. A gente olhava para cada companheiro e via o brilho nos olhos de querer ganhar, de querer melhorar cada vez mais. E o Flamengo tinha uma virtude muito importante: quanto mais títulos ganhava, mais sereno ficava, mais humilde, mas sempre querendo ganhar. A homenagem que recebemos agora foi muito legal. Praticamente todos os jogadores estavam lá, e rever aqueles companheiros daquela época de tantas batalhas, de tantas lutas em campo e fora do Brasil, em torneios pela Europa, você sente que ainda resiste aquela amizade gostosa, pelo carinho com que a gente é recebido pelos companheiros. Acho que a torcida do Flamengo jamais vai esquecer, e a gente fica torcendo muito para que outros títulos possam vir. Tomara que a gente consiga nessa próxima Libertadores, mas o que fica mesmo é a saudade, uma saudade gostosa, boa de sentir.

Reencontro com os ex-companheiros
Eu costumo dizer que a gente merecia ter mais tempo para a gente conversar, fazer uma roda nossa de ano em ano, pra bater papo, pra relembrar, porque tem muita coisa. Passamos muito tempo juntos e, normalmente, uma homenagem é um momento muito rápido de encontro. Mesmo assim cabe um abraço, contar alguma história... As lembranças são muito boas e a gente sente que cada um tem orgulho do outro.

Histórias da final do Mundial
Final do jogo. Logicamente, tinha alguns torcedores do Flamengo que viajaram, fizeram aquele sacrifício todo. Na entrada do estádio, os próprios japoneses organizadores estavam distribuindo bandeiras de ambos os clubes. Eu lembro que na época o Liverpool tinha até mais bandeiras, eles optaram mais pelo Liverpool por ser um clube mais conhecido, e que tinha sido o time da década. Então, no final da partida, faltando dois minutos, a vitória já tava certa. Todos sabíamos que o título era nosso, e eu, por um instante, me peguei pensando: “Cadê minha torcida?”. A gente tava acostumado com o Maracanã , comemorar junto com aquela galera toda e depois nas ruas ver o Rio, o Brasil todo colorido de vermelho e preto. Senti falta da torcida. Foi aí que fechei os olhos e mentalizei aquela massa toda do Maracanã e pude comemorar dessa forma com eles. Quando acabou o jogo, ficou um negócio meio frio, tava contente e tal, mas não tinha aquela vibração, aquela energia e o calor que vinha da arquibancada. 

Saudade de jogar no Flamengo
Eu cheguei na Gávea em 76 e parei em 90. Foram, portanto, 14 anos só de Flamengo, graças a Deus. É uma casa sua, né? Você conhece todo mundo, do roupeiro, do cara que fica lá na portaria, na concentração, você conhece e faz amizade, ligação de manhã e de tarde, treino, contração e tal, realmente são muitas lembranças, amigos que fiz, não tem uma pessoa que diga que eu não fui amigo. Gostava quando eu chegava, a gente se sente um filho que tem que sair de casa e de vez em quando fazer umas visitas. É triste, mas a gente sabe que é assim.


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