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sábado, 27 de janeiro de 2007

Homenagem do Senado ao Centenário do Flamengo

Essa é uma homenagem que o Senado fez na ocasião do Centenário do Flamengo. A palavra foi dada a Artur da Távola. Muito bom, fantástico.

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Flamengo, 100 anos de paixão

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Deputado Márcio Braga, que aqui representa o Presidente do Flamengo, Sr. Kleber Leite; Srs. membros da Delegação do Clube de Regatas do Flamengo, cujos nomes passo a enumerar: Professor Joaquim Inácio Cardoso Filho, ilustre especialista em esporte, estudioso da matéria; Dr. Hamilton Pinto das Chagas, Conselheiro do Clube de Regatas do Flamengo e Assessor da Presidência; Dr. Bernardo Monteiro de Souza, da direção do Flamengo, representante do segmento jovem que acorre ao comando do Clube. Saúdo, em particular, três atletas que nos honram com a sua presença: Raul Plasmann, conhecido campeão do mundo, ex-goleiro, hoje um especialista na matéria que o consagrou; a grande nadadora, campeã, Patrícia Amorim, hoje coordenadora-geral da natação do Flamengo; e representando os novos jogadores do futebol rubro-negro, o jogador Hugo.

Por que razão o Senado da República dedica o Grande Expediente de uma de suas sessões a um clube no seu centenário? Será apenas porque ele representa um fenômeno sociológico ou popular, como é o caso do Flamengo, ou será que por dentro do esporte latejam verdades profundas, verdades da vida por um lado e políticas por outro? Não falo de verdades político-partidárias. Uso o termo "políticas" em lata extensão, vale dizer: o clube é entidade sociológica de aglutinação espontânea de setores da sociedade, unificados por ideal comum de realização de uma tarefa social: o aprimoramento humano. Clube é escola inortodoxa. É a própria expressão da sociedade em se organizando e o faz a pretexto da realização da prática desportiva só que com finalidade elevada: a de interferir na sociedade, realizando a tarefa para-educacional de aglutinar seres; formar jovens; aprimorar-lhes o caráter; desenvolver físico, mente, sentimentos éticos e associativos, fraternos.

O clube é, portanto, das mais vivas, atuantes e necessárias organizações espontâneas de segmentos sociais. É entidade sociológica e política de grande significado.

Vai mais fundo, porém, a análise do significado de um clube. É-lhe latente um elemento imponderável, misterioso, talvez o mais "encantatório" dentre os que lhe constituem o cerne. Nele pode-se penetrar por intermédio de uma pergunta: qual a razão profunda pela qual se escolhe ou se prefere um clube? O que estuará no fundo de cada um, no momento em que, na infância ou juventude - em geral, na infância -, instala-se o sentimento de amor por cores, uma bandeira, escudo ou legenda? Mistério, porque não se pode delimitar as razões profundas do sentimento de amor por um clube. Mistério, ainda, porque o fenômeno não é mais carioca, apenas. Já é nacional: no Brasil, o Flamengo é o clube mais popular! As pesquisas mostram quanto o Flamengo é estimado. Devido a ele, um sem-número de clubes em todo o País hoje ostenta - orgulhoso - o nome Flamengo.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Agradeço a V. Exª até porque honra o meu discurso.

O Sr. Ney Suassuna - É muito fácil paraibano ser do Flamengo. E o engraçado é que só vim me conscientizar disso bem mais tarde, porque, nesse fenômeno sociológico, desde criança, já me manifestava Flamengo e nem sabia porque, talvez pelo charme do Clube. Depois, conferimos que a bandeira da Paraíba tem as mesmas cores do Flamengo e tem escrito Nego que, quando drapeja não se lê bem e muita gente chega lá e pergunta - inclusive o pessoal do Sul -: por que a bandeira do Flamengo no Palácio do Governo? A verdade é que as cores e até o que lá está escrito fazem com que nós, cada vez mais, sejamos Flamengo, sofrendo e nos alegrando com as vitórias e derrotas do Clube.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Muito obrigado, nobre Senador. Realmente, a bandeira da Paraíba tem as cores do Flamengo.

Hoje, 66 clubes brasileiros - alguns amadores -, em 20 Estados, levam o nome Flamengo. E o Estado que mais clubes tem com o nome Flamengo é Minas Gerais, com 18, seguido pela Bahia, com 10. A grande maioria é de natureza amadorística, o que comprova a importância, a força e o significado desta flama.

Flama - eis aí, talvez, outro dos segredos do mistério da paixão rubro-negra. Flamengos eram os holandeses, assim chamados porque seus cabelos eram cor de chama; os cabelos vermelhos dos holandeses eram flamas, em flama "inflamados", flamejantes, flamengos. Os que tinham a flama, a cor do fogo no cabelo, chamavam-se flamengos. No clube, a flama passou-se para o coração. E a praia pela qual os holandeses tentaram invadir o Rio de Janeiro (e não conseguiram), conhecida ficou como "do Flamengo". E da Praia do Flamengo, onde os fundadores do Clube iniciaram a regata há 100 anos, nasceu, então, a idéia do nome Flamengo para o então novel clube. Talvez, por isso, até hoje não haja clube mais inflamado!

Se buscarmos, porém, a razão profunda pela qual se estabelecem identificações de natureza misteriosa entre torcedor (ou a população) e clube, podemos encontrar no Flamengo uma outra identificação - esta sim - merecedora de análise, tanto do ponto de vista sociológico quanto político. O Flamengo é a representação profunda e verdadeira do sonho de identidade e afirmação do povo brasileiro, particularmente dos setores excluídos da sociedade, exatamente os que lhe constituem a base de apoio e lhe trazem a alegria na festa dionisíaca de cada desporto. Não pode haver espetáculo mais emocionante do que ver quando na adversidade - ocasião em que as demais torcidas calam-se deprimidas - a do Flamengo vivificar força, flama, e vontade, expressões genuínas e verdadeiras do esforço dos setores oprimidos da vida brasileira na luta pela sobrevivência e pela afirmação de seus valores. O Flamengo é a representação simbólica da decidida vontade do povo brasileiro de se afirmar e superar limitações ancestrais, as de classe, as decorrentes de preconceitos contra a pobreza e contra a cor. Aqui, deve ter significado simbólico-emotivo, também, a (in)junção da cor negra com a rubra, as duas mais intensas. As cores do extremo das paixões. Cores integrais, oposição de contrários. Na simbologia da relação humana com a cor, esta pode ajudar na interpretação da paixão (formidável) das massas pelo Flamengo.

O Sr. Romero Jucá - Permite V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Romero Jucá - Senador Artur da Távola, eu gostaria de me associar às palavras de V. Exª, nesta tarde, de homenagem ao Flamengo. Como Senador de Roraima, quero falar não só em meu nome, mas de todos aqueles que no Estado mais distante da Federação, no Estado mais longínquo deste País, torcem e vivem o Flamengo. Trago, aqui, a homenagem dos roraimenses e, em especial, do torcedor-símbolo do Flamengo em Roraima, que é o Secretário de Finanças da Prefeitura de Boa Vista, o advogado Marivaldo Barçal Freire. O Flamengo, em Roraima, também representa uma força muito grande. Eu diria que o Flamengo é uma religião, como é em todo País. Sem dúvida nenhuma, esta homenagem é justa, e como torcedor do Flamengo desejo me associar a V. Exª para homenagear um time que tantas alegrias dá ao povo brasileiro. Meus parabéns.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Saiba, nobre Senador Romero Jucá, que um, de cada cinco brasileiros, torce pelo Flamengo, segundo pesquisa realizada.

Infelizmente, não é o caso deste orador: sou Fluminense, mas fiz questão de pedir esta sessão especial em homenagem ao centenário do Flamengo.

Certa vez, no Rio de Janeiro, um juiz, o Dr. Elieser Rosa - torcedor do América - em carta a amigo, dirigente da Federação Carioca, propôs a seguinte "boutade": um divertido e afetivo "anteprojeto de lei", que aqui deixo à consideração dos Srs. Senadores, com três artigos.

"Art. 1º. O Flamengo jogará semanalmente em todos os Estados da Federação."

E se estamos na Casa que representa os Estados da Federação, aqui temos, na alegria do juiz Elieser Rosa, uma colocação interessante, nesse ponto de vista.

"Art 2º. O Flamengo vencerá todas as partidas."

"Art. 3º. Revogam-se as disposições em contrário."

Justificava essa sua alegre disposição da seguinte forma:

"O Flamengo dá febre, dá meningite, dá cirrose hepática, dá neurose, dá exaltação de vida e de morte. O Flamengo é uma alucinação.

Quando o Flamengo vence há mais amor nos morros, mais doçura nos lares, mais vibração nas ruas. A vida canta. Os ânimos se roboram. O homem trabalha mais e melhor. Os filhos ganham presentes. Há mais beijos nas praças e nos jardins, porque a alma está em paz, está feliz. O Flamengo não pode perder. O Flamengo não deve perder."

E assim, o Flamengo invade a literatura, sai dos campos de futebol, invade a sociologia e a política. Tivemos, na obra de Nelson Rodrigues, outro "Fluminense" que era irmão de um grande rubro-negro, Mário Filho, autor, aliás, de uma bela história do Flamengo, inúmeras referências ao Flamengo como a força vesânica da natureza que, como a música de Vila Lobos, a tudo invade com fragor e vigor únicos.

O nosso Nelson Rodrigues dizia o seguinte:

"O Flamengo tornou-se uma força da natureza. O Flamengo venta, chove, troveja, relampeja."

E a confissão, que nenhum de nós faz, ele fez:

"Cada brasileiro é um pouco rubro-negro. E a alegria rubro-negra não se parece com nenhuma outra, não sei se é mais funda ou mais dilacerada ou mais santa, só sei que é diferente".

José Lins do Rego, o grande romancista de Menino de Engenho, e ardente flamenguista costumava dizer:

"Há no Flamengo esta predestinação para ser, em certos momentos, uma válvula de escape para as nossas tristezas. Quando nos apertam as dificuldades, lá vem o Flamengo e agita nas massas sofridas um pedaço de ânimo que tem a força de um remédio heróico. Ele não nos enche a barriga, mas nos inunda a alma de um vigor prodígio".

Edilberto Coutinho, jornalista, escritor, professor universitário, contista qualificado e "Flamengo" apaixonado, recentemente falecido, é autor de obras sobre o futebol e o Flamengo, como "Maracanã Adeus" (1980), "Nação Rubro-Negra" (1990), "Amor na Boca do Túnel". A propósito de Edilberto cabe lembrar um passagem: em entrevista logo após a publicação do livro Nação Rubro-Negra, a reporter fez-lhe a seguinte e cavernosa pergunta:

- "Já pensou no epitáfio que mais lhe agradaria?"

Resposta: "Aqui jaz o autor da Historia do Flamengo."

Do instigante livro de contos "Amor na Boca do Túnel" retiro do conto "Maracanã, Adeus", o seguinte trecho, expressivo de seu estilo e breve flagrante de uma cena típica do futebol:

"Foi de lascar aquele último dia do Anselmo na Gávea. Fui assistir ao treino. Eu tinha pendurado as chuteiras há um bom par de anos e já estava aqui com a minha lojinha de material esportivo, tocando a vida. Ainda dizia no pé, mas não era mais no gramado, só no asfalto, desfilando pela Verde-e-Rosa no carnaval. Mangueira de fé desde menino, e gostando de Escola de Samba desde o tempo que era coisa do povo, antes de virar esse show espalhafatoso para gringo endinheirado e otário curtir. Mas a Verde-e-Rosa é mais ela, velha Manga querida, e saio todo ano na ala dos estudantes que por sinal não tem estudante nenhum nela. Mas voltando ao Anselmo. Fui lá e vi o compadre no meio da roda. Acabou o bobo, começou um coletivo em dois toques. Aí ouvi um torcedor gritar, cadê o pipoqueiro do Anselmo?, e outro responder continua de bobo na roda como sempre. Será que o Anselmo também tinha ouvido? Tomara que não, desejei na hora. Na primeira bola que perdeu, um assobio. Na segunda, uma vaia. No gol perdido, quando escorou de cabeça para fora um cruzamento na medida muitas vaias e, aí, certamente ele ouviu. Por um instante parou no campo e, parado, percorreu com os olhos todos os degraus da arquibancada, procurando localizar o motivo de tudo aquilo. Gols. Exigiam dele os gols. Quando botaram o passe dele à venda pensei que uma mudança de ares pudesse até ser uma boa. O problema da bebida tinha se acentuado com as brigas mais fortes em casa, a pancadaria, aquela confusão toda, a polícia no meio. Grossa porcaria.

Sei que não sou um jogador de choque, tenho meu estilo. Jogo bonito, é o que sempre disseram, um estilo clássico, muito técnico, sempre fui elogiado assim. Dizem agora que o futebol é força física, então vamos botar esses caras do remo em campo. Tem aí uns bichos remadores que mais parecem uns cavalos de tão parrudos. Vamos soltar no gramado, ver se dá certo esses pesadões jogando bola. Teve essa partida em que tratei de entrar em todas, procurei dividir, tentei abandonar minha característica de jogo, saí de campo com a camisa toda manchada de sangue e o time da gente perdeu."

Agora mesmo o centenário do Flamengo está ensejando vários livros realizados por jornalistas qualificados.

O centenário do Flamengo, portanto, é um fato que tem a ver com algo que desborda os limites da sua própria festa e atinge a sociedade brasileira. O fato de a Câmara ontem o haver homenageado, e, hoje, o Senado, significa que a verdade profunda de um clube tem a ver com a verdade profunda dos vários segmentos de uma Nação. A do Flamengo, repito, é a verdade dos setores oprimidos, é a verdade dos setores esquecidos; é a luta de afirmação; é a luta contra as barreiras que este País insiste em ter na possibilidade de integrar sua sociedade em algo mais justo, mais profundo.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Romeu Tuma - Desculpe interrompê-lo nessa vibrante explanação.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - V. Exª não interrompe; acrescenta.

O Sr. Romeu Tuma - Com alma corinthiana e vindo de São Paulo, a pujança de seu discurso me faz sentir um corinthiano na tribuna. Quero me associar, e em nome do meu Corínthians, à homenagem àqueles que atravessam fronteiras representando tão bem o Brasil, trazendo a essa sociedade sofrida momentos de alegria, por meio do tremular de suas bandeiras nos estádios deste Brasil afora. O Flamengo é a alma do brasileiro, como o é a alma do corinthiano. Não poderia deixar de, nessa homenagem que V. Exª tão bem propôs, saudar a alma flamenguista e desejar que continue nesse caminho vibrante, trazendo mais vitórias aos seus associados, aos seus torcedores, e enaltecendo o esporte brasileiro. Muito obrigado.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Muito obrigado, Senador Romeu Tuma.

Os fundadores do Flamengo foram 15 rapazes idealistas, boêmios, da classe média carioca, que se reuniam nos bares do bairro do Flamengo. À frente do grupo, que àquela altura já havia adquirido dois barcos com nomes interessantíssimos, Pherusa e Scyra, estavam Nestor Barros, Mário Espíndola, José Agostinho Pereira da Cunha, este, o sócio-fundador nº 1 e patrono do Clube.

Estamos em 1995 - cem anos atrás: a assembléia geral é convocada para a fundação do Flamengo, realizada no dia 17 de novembro, no casarão da Praia do Flamengo, 22, local de sua primeira sede social. Ficou decidido que a data oficial da fundação seria 15 de novembro, paralelismo com a data da Proclamação da República e que as cores seriam azul celeste e ouro.

Em 1896, porém, depois de muita discussão, como acontece nos clubes (assim como na política), foi feita emenda ao estatuto, e as cores passaram a vermelho e preto. Deveu-se ao seguinte: as cores azul celeste e dourado desbotavam. O desbotar arrefecia o impulso interno latente em uma camisa com o escudo e as cores de um clube. Descobriu-se, então, que as cores vermelho e preto seriam mais fixas e firmes. E visíveis.

A troca de nome só viria em 1902 para Clube de Regatas do Flamengo, já que o Flamengo, tendo crescido bastante, merecia ser considerado clube. O advento do futebol ocorreria bem depois, em 1911, em decorrência de desavença entre jogadores e comissão técnica do Fluminense, que se havia sagrado campeão naquele ano.

Alberto Borgerth, capitão da equipe do Fluminense, deixou-o e foi para o Flamengo acompanhado de mais oito titulares. Como tricolor, eu gostaria muito de dizer que foi um tricolor o fundador do Flamengo, mas quando Borgerth - membro da equipe de remo Rubro-Negra - fundou o futebol no Flamengo ele já era sócio do mesmo e não mais do Fluminense.

Pouco a pouco, cria-se a Liga Metropolitana de Futebol, em 1905, época, porém, em que o futebol não era o esporte popular e sim o remo. Era costume dizer-se, então, não ser o futebol que levava gente para o remo e, sim, que o remo levava adeptos ao futebol...

Curioso: o chamado "velho e violento esporte bretão", o futebol, que segundo a linguagem da nossa juventude (ainda presente) é "jogo p’ra homem", era considerado pouco viril pelos remadores. Estes, só admitiam o remo (por sua atividade muscular potente), um esporte "p’ra homem".

Sr. Presidente, Srs. Membros da Delegação rubro-negra, Sr. Presidente Márcio Braga, aqui presente, responsável por um dos períodos mais brilhantes da vida do Flamengo, homenagem que tenho que prestar-lhe porque se refere ao período dos tricampeonatos; homenagem também que lhe presto pelo fato de que V. Exª, como Deputado, foi dos principais defensores da existência de uma legislação desportiva moderna, como a que o Brasil hoje tem.

O Sr. Roberto Freire - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Com muito prazer, Senador.

O Sr. Roberto Freire - Não era sobre isso, mas também para atestar o papel que V. Exª desempenhou como Relator dessa matéria da qual eu também, modestamente, participei como Líder do Governo...

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - É verdade. Ajudou muito.

O Sr. Roberto Freire - ...ajudando para que tivéssemos essa moderna legislação que, talvez, até necessite de maior modernização. Mas quero me solidarizar com o pronunciamento de V. Exª e com o centenário do Clube de Regatas do Flamengo. Gostaria também de dizer que sou duplamente rubro-negro: por ser simpatizante do Flamengo e por ser do Sport Clube de Recife. Gostaria de trazer exatamente essa posição, não em meu nome, mas em nome dos torcedores rubro-negros de Pernambuco ao Clube de Regatas Flamengo.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Muito obrigado, nobre Senador Roberto Freire.

Há tempos, dei-me ao exercício interno de escrever sobre clubes de futebol e, independentemente de minha opção pessoal feita na infância pelo Fluminense, do qual fui atleta depois de o haver sido do Flamengo, escrevi o que é ser Fluminense, o que é ser Flamengo, o que é ser Botafogo, o que é ser Vasco. Procurei fazer em matéria de crônica algo antes feito por Lamartine Babo, quando compôs os hinos dos clubes: isto é, exercitar a capacidade de sair de si mesmo e perceber em profundidade a emoção do outro. Um exercício de empatia que para um escritor me parecia importante, como por certo o foi para Lamartine Babo ao compor os hinos de vários clubes cariocas. Mergulho empático nas razões e nas emoções alheias.

Tempos depois, indo à sede do Flamengo, tive o orgulho de ver, por acaso, minha crônica copiada em tamanho grande na sala da Presidência. Não sei se ainda está lá, porque salas de presidências de clubes mudam, assim como salas de diretorias de repartições públicas na mudança de cada governo...

Desejo concluir este discurso de homenagem com a leitura de minha crônica, escrita há alguns anos, e intitulada "Ser Flamengo".

O Sr. Elcio Alvares - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Artur da Távola?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Com muito prazer, meu nobre Líder.

O Sr. Elcio Alvares - A tarde de hoje está sendo acrescentada, evidentemente, pelo discurso de V. Exª. Dizia, há pouco, ao Senador Valmir Campelo que tenho pelo Senador Artur da Távola uma admiração que veio dos tempos da sua crônica permanente no jornal O Globo, quando a título de comentar televisão, o eminente Senador produzia, na verdade, crônicas belíssimas que demonstravam sensibilidade de vida, um notável conhecimento da alma humana e realmente se constituíam, na última página do jornal O Globo, em ponto de referência e leitura. V. Exª sabe colocar o encanto necessário em uma oração como essa. Para falar do Flamengo, ninguém melhor do que o Senador Artur da Távola, carioca, e, acima de tudo, com a sensibilidade do tricolor - que também sou, e confesso neste instante -, daquele que tem isenção para falar de um clube que é paixão. O Flamengo é paixão, o Flamengo representa este Brasil imenso. É comovente quando o Flamengo se desloca para outras capitais: a sua torcida é muitas vezes superior à torcida do clube local, o que demonstra que o Flamengo é realmente uma paixão nacional. V. Exª situa muito bem a história do Flamengo e o que ele representa para todos os brasileiros. E é interessante que nós, torcedores dos outros clubes, quando o Flamengo está em disputa internacional, todos vestimos também a sua camisa. O Flamengo recebe uma grande homenagem hoje, com a oração que V. Exª está produzindo, e temos uma alegria imensa por participar disso, porque o Flamengo é um estado de espírito nacional, é um toque que caracteriza o brasileiro. Visitantes que vêm de outros países querem conhecer o Maracanã e o Flamengo, que é uma referência permanente por seu largo prestígio. Portanto, Senador Artur da Távola, junto-me a V. Exª, na condição até de Líder do Governo, porque V. Exª externa um sentimento que está ligado a todos os que amamos este País, e quero proclamar que o melhor presente que o Flamengo poderia ter recebido do Senado é a oração que V. Exª está fazendo a propósito dos 100 anos de vida rubro-negra.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Muito obrigado, Senador Elcio Alvares. A generosidade de V. Exª, como sempre, capitaneia o seu discurso.

Como escrevi o texto que agora lerei há muito tempo - nunca poderia imaginar que, um dia, estaria no Senado e aconteceria o Centenário do Flamengo. Peço-lhes tolerância para escutá-lo. É curto...

"Ser Flamengo

Ser Flamengo é ser humano e ser inteiro e forte na capacidade de querer. É ter certezas, vontade, garra e disposição. É paixão com alegria, alma com fome de gol e vontade com definição.

É ser forte como o que é rubro e negro como o que é total. Forte e total, crescer em luta, peleja, ânimo, e decisão.

Ser Flamengo é deixar a tristeza para depois da batalha e nela entrar por inteiro, alma de herói, cabeça de gênio militar e coração incendiado de guerreiro. É pronunciar com emoção as palavras flama, gana, garra, sou mais eu, ardor, vou, vida, sangue, seiva, agora, encarar, no peito, fé, vontade. Insolação.

Ser Flamengo é morder com vigor o pão da melhor paixão; é respirar fundo e não temer; é ter coração em compasso de multidão.

Ser Flamengo é ousar, é contrariar norma, é enfrentar todas as formas de poder com arte, criatividade e malemolência. É saber o momento da contramão, de pular o muro, de driblar o otário e de ser forte por ficar do lado do mais fraco. É poder tanto quanto querer. É querer tanto como saber; é enfrentar trovões ou hinos de amor com o olhar firme da convicção.

Ser Flamengo é enganar o guarda, é roubar o beijo. É bailar sempre para distrair o poder e dobrar a injustiça. É ir em frente onde os outros param, é derrubar barreiras onde os prudentes medram, é jamais se arrepender, exceto do que não faz. É comungar a humildade com o rei interno de cada um.

É crer, é ser, é vibrar. É vencer. É correr para; jamais correr de. É seiva, é salva; é vastidão. É frente, é franco, é forte, é furacão. É flor que quebra o muro, mão que faz o trabalho, povo que faz país."

Parabéns ao Flamengo no seu Centenário. (Muito bem! Palmas)

Um comentário:

Anônimo disse...

O Flamengo � uma religi�o, porque toca fundo na alma, faz chorar, desperta emo�es e j� que Deus � rubro-negro, faz-nos chegar mais perto dele! Uma vit�ria do Meng�o � um momento m�gico e divino!