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quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Por que Flamengo?

Galera, pesquisando na internet encontrei essa tese de Doutorado que tenta explicar a popularidade do Flamengo. É longa mas vale a leitura. Parabéns à autora pelo trabalho.



Vale a pena baixar a versão integral no link do Final para ler a tese toda.



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Por que Flamengo?(Tesis de Doutorado)

Departamento de Educação Física.Universidade Federal de Viçosa. (Brasil)
Dra. Marizabel Kowalski belkowalski@ufv.br



Resumo
"Por que Flamengo?" é um estudo construído ao redor de uma questão simples: como se fez a popularidade do Flamengo. A história do clube, como de tantas outras instituições esportivas no Brasil, suas conquistas e ídolos (estatística e quantitativamente) não foram suficientes para explicar a grande torcida estadual e nacional do time de futebol do Clube de Regatas do Flamengo. Entretanto, o futebol, como constituinte de propriedades e fatos, pode vir a justificar a relação entre o modo de vida do povo brasileiro e a força popular de massa em contornos especiais: no registro e na compreensão da forma pela qual a sociedade constrói as instâncias formadoras de hábitos, crenças, paixões, condutas e, sobretudo, sua auto-imagem. Na compreensão do fenômeno esportivo recriado pela imprensa, pela literatura, destacado nas músicas e poemas, elaborado nas pinturas, charges e caricaturas; inserido e integrado à estrutura social da comunidade carioca e à cultura popular do futebol no país, o Clube de Regatas do Flamengo é a atmosfera das formas de uma sociedade que está ligada a uma tradição inventada - o Flamengo. Fizemos das referências literárias fontes de pesquisa a serem exploradas: nas suas manifestações de adesão, no apego, na dedicação, na coesão e pertencimento ao clube; componentes cívicos, identidades sociais importantes, valores culturais profundos e gostos individuais singulares, partes relevantes para as inter-relações da circularidade cultural do país em torno do futebol; "elos" que sustentam o entendimento da explicação da popularidade do Flamengo como tradição inventada por jornalistas, cronistas, músicos, carnavalescos, poetas e literatos, formando parte da tradição da cidade do Rio de Janeiro e de uma preferência nacional. Unitermos: Flamengo. Futebol. Popularidade.





Abstract
"Why Flamengo?" is a paper built around a simple matter: how Flamengo was made so popular. The club history, its victories and idols (statistically and quantitatively) were not enough to explain the great size of its crowd, in the national as well as in the regional realm. Soccer, however, as part of the aspects and facts, may justify the relationship of the Brazilian way of life and the popular power of the masses. This is a done in the records, as well as, in the understanding of how society builds treaties of habit making, beliefs, passions, and beyond everything, its self-image. Considering the understanding of the sports phenomenon, it is rebuild by the media, the literature, and put in emphasis in songs, poems, paintings, and comic stripes. Clube de Regatas do Flamengo is integrated and inserted in the social community of Rio de Janeiro's folks and to the soccer culture of the Brazilian nation. This soccer club represents the atmosphere of how a society is linked to a created tradition: Flamengo itself. We made some literary references of the research sources to be explored. These are found in the acts of joining, in the obvious attachment and in the close bonded feeling of belonging, related to this team. Some civic components important, social identities, deep cultural values and individual preferences are all relevant parts of the inter-relation of the cultural circle of this country that surrounds soccer itself. Some links that provide support for the understanding of Flamengo's great popularity, as a made up tradition, created by journalist, sports writers, and poets. They all take part in the tradition of city of Rio de Janeiro and of a national preference. Keywords: Flamengo. Soccer. Popular.



http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 107 - Abril de 2007
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Introdução
"Por que Flamengo?" é um estudo construído ao redor de uma questão simples: como se fez a popularidade do Flamengo. A história do clube, como de tantas outras instituições esportivas no Brasil, suas conquistas e ídolos (estatística e quantitativamente) não foram suficientes para explicar a grande torcida estadual e nacional do time de futebol do Clube de Regatas do Flamengo. Temos como hipótese central que os elementos discorridos pelos literatos em alusão ao Flamengo estão impregnados, em toda a sua diversidade, de unidade popular; eles desmistificam as bases de concepção de mundo que eles próprios fazem recuar para o passado e, ao mesmo tempo em que regurgitam de alusões e ecos da atualidade política, ideológica e nacionalista, tradicionais e profundamente populares, criam em torno do clube um ambiente importante de fatores de formação estilística, uma imagem alegre, ousada, licenciosa e franca. Esses gêneros literários preparam a atmosfera das formas e imagens de uma sociedade que está ligada ao futebol, mas especificamente faz do time de futebol do Clube de Regatas do Flamengo um acontecimento da tradição inventada - o Flamengo.

Parte I . O que não explica o Flamengo

Capítulo I. O Desempenho do clube
Enfoca o levantamento estatístico, da representatividade do Clube de Regatas do Flamengo diante de eventos estadual, nacional e internacional. Foram considerados relevantes para a atual análise os seguintes fatos: Copas do Mundo (1930 - 1994), Campeonato Mundial de Clubes, Mercosul, CONMEBOL, Campeonato Brasileiro, Campeonato Estadual do Rio de Janeiro e outros de devida importância. O objetivo central é a confirmação de que os títulos conquistados pelo Flamengo, apesar de expressivos, não justificam a popularidade do clube. De acordo com os dados da Folha de S. Paulo, Revista Placar e Rede Globo, o Flamengo possui a maior torcida do Estado do Rio de Janeiro e também a mais expressiva em nível nacional. Esses meios destacam o Flamengo como o Clube preferido por 46% da torcida carioca, seguido do Vasco com 23%, Botafogo com 17% e o Fluminense com 13%. Para o Brasil, os percentuais são de 37% para o Flamengo, o Corinthians aparece com 21% e 14% para o São Paulo. A hipótese deste capítulo é se a expressiva popularidade do clube poderia ou não estar relacionada com o melhor desempenho, medido pela quantidade de títulos conquistados pelo Flamengo ao longo de sua atuação. Assim, o primeiro passo foi a análise comparativa entre desempenho e popularidade.
O Palmeiras e o São Paulo são, no presente, os clubes com o mesmo número ou mais conquistas, nem por isso mais populares do que o Corinthians, que permaneceu mais de vinte anos sem título no Campeonato Brasileiro e possui a segunda maior torcida do país. Também não se explica a questão do São Paulo, cuja regularidade expressa a história de um clube tradicional e forte perante o público. Enfim, a popularidade do Flamengo também não se explica pelas conquistas e títulos. Reafirmamos que o Flamengo possui a maior torcida do Rio de Janeiro e do Brasil e também é responsável pela maior freqüência de público nos estádios. Está à frente nas conquistas dos títulos brasileiros, porém perde para o Fluminense em número de conquistas estaduais. Entretanto, dois destes dados distanciam-se significativamente dos demais: o percentual de público nos jogos do Flamengo. Cada vez que o Flamengo entra em campo, este é responsável pelo aumento da média de público, quer em preliminares, quer em turnos, classificação e obviamente nas decisões.

Capítulo II. A rivalidade dos clubes frente ao Flamengo
A hipótese apresentada aqui é que as rivalidades dos clubes cariocas, construídas por estas narrativas, juntamente com o enaltecimento de proezas esportivas, não parecem explicar a popularidade do Flamengo diante do Fluminense, Vasco e Botafogo. Estes seriam igualmente merecedores da popularidade destinada ao Flamengo pelo contexto histórico e na mediação dos resultados. Assim, citamos três pontos de enfoque: Flamengo e Fluminense, Flamengo e Vasco e Flamengo e Botafogo.

Flamengo e Fluminense construíram juntos um dos períodos mais ricos do futebol carioca e marcaram a história do futebol brasileiro, no entanto, o Flamengo se tornou mais popular que o Fluminense, ambos percorrendo o mesmo caminho. Por que o Flamengo e não o Fluminense ou o Vasco?

Flamengo e Vasco

ESTATÍSTICAS ENTRE FLAMENGO E VASCO-
Período: 1923 a 1999
TÍTULOS ESTADUAIS: FLAMENGO - 26, VASCO - 21
JOGOS: 300 VITÓRIAS DO FLAMENGO: 114 VITÓRIAS DO VASCO: 104 EMPATES: 82 GOLS DO FLAMENGO: 419 GOLS DO VASCO: 406


Flamengo e Botafogo
O Botafogo é o terceiro em conquistas de títulos e, na comparação dos confrontos com o Flamengo, fica com a percentagem equivalente a 28% das vitórias contra 42% do Flamengo e 25% de empates. Entretanto, muda de figura com relação aos ídolos e ao número de jogadores e gols em Copas do Mundo. É o clube que mais se destaca em ídolos e craques através da história do futebol no Brasil. O Botafogo, além de fornecer jogadores para a Seleção Brasileira para as Copas do Mundo entre 1930 e 1994, num total de quarenta e quatro em todos os tempos, também forneceu setecentas e vinte e oito pessoas ao selecionado brasileiro, desde assistentes, dirigentes técnicos das mais diversas funções, nas mais distintas participações do Brasil, em vários encontros esportivos do futebol internacional. Possui um elenco de craques e ídolos, nada menos que Garrincha, Amarildo, Zagalo, Jairzinho, Perácio, Nilton Santos, Rildo, Josimar, todos encontrados entre os artilheiros das Copas do Mundo.
O Botafogo é seguido pelo Vasco, clube que vem com Leônidas, Ademir, Alfredo, Maneca, Pinga, Roberto Dinamite, Dirceu, Edmundo e Romário, vindo do Flamengo. Ainda citamos o Fluminense com Preguinho, Romeu, Didi e Branco. Já o Flamengo apresenta Moderato, Júnior e Zico, mais tarde Sócrates (vindo do Corinthians / SP) que traz Baltazar e Rivelino, Romário que retorna ao clube de origem, o Vasco. Outra parte dos ídolos divide-se pelo São Paulo (SP) com Gerson, Oscar, Serginho e Careca, o Santos com Pelé, Zito, Clodoaldo e Carlos Alberto. Quanto ao Palmeiras com Chico, Jair, Vavá, Mazola, e outros na Portuguesa de São Paulo, como Julinho e Djalma Santos; o Bangú e o São Cristóvão, entre os anos 30 e 50, destacam-se com alguns craques. E mesmo assim, o Botafogo é o terceiro na preferência do torcedor carioca. Os clubes caracterizam a rivalidade com o Flamengo de maneira singular: competitivamente, numa busca simultânea de uma vantagem, uma vitória, um prêmio emulativo. Entretanto, a popularidade do Flamengo pertence por direito de contigüidade aos torcedores e, no nosso entendimento, a "rivalidade" entre os clubes cariocas colaborou e colabora para isso.

Capítulo III. Concessão patrimonial na era Vargas
Evocamos que as doações e favores aos clubes esportivos tornaram-se comuns em muitos governos. Doações e favores concedidos aos clubes, a níveis local e nacional, tornaram-se comuns no Brasil em alguns governos. Na década de 1930 foi doado ao Clube de Regatas do Flamengo, o terreno da Gávea para a construção de sua sede. O Presidente Dutra doou um terreno no centro do Rio de Janeiro, onde anos depois, no início da década de 1950, o Presidente Vargas concedeu um empréstimo ao clube, a fim de que pudesse construir um prédio de vinte e quatro andares, com vista para a baía. O Fluminense, no incentivo à política e ao esporte, em suas várias comemorações e inaugurações no interior do clube (reformas, ginásios e piscinas), fazia alusão à presença de políticos, senão em discursos fervorosos, instigados pelas situações políticas de distintas épocas da efusão do esporte; desde Coelho Neto, descrito e criticado por Lima Barreto, nas palavras pejorativas a uma "regressão à barbárie", e principalmente nos anos em que os Fla-Flus dominaram a cena futebolística do Rio de Janeiro e do país. (História do Clube de Regatas do Fluminense, 1997). A luxuosa sede do Botafogo de Regatas - projeto de Bahiana & Fortes, conhecido como "Palacete Mourisco" - teve sua pedra fundamental lançada em 1º de julho de 1919, e inaugurado em 15 de agosto de 1920, com a presença do Príncipe Aimone de Savóia, da Croácia. Destacou-se a presença dos políticos como: Paulo Azeredo, Anselmo Mascarenhas, Emannuel Sodré, Oscar Niemeyer, Flávio Ramos, Raimundo Ferreira Silva, Arthur César de Andrade, Augusto Paranhos Fontennele, Miguel Rafael de Pino, Jucelino Kubitchek, Guilherme Arinos e César Maia (Botafogo: O Glorioso, 1996).
Arthur Bernardes, presidente da República entre 1922 e 1926, sanciona decretos em 16 de agosto de 1926, doando os terrenos de General Severiano ao Clube do Botafogo, localizado em várias sedes, em áreas que passaria o crescimento da cidade, foi levado a ceder seus espaços a construções metropolitanas em 1938 e 1954. Em 1954, com o projeto arquitetado por Oscar Niemeyer e doado ao clube, é remodelado e o "Palácio Pasteur" cede mais algumas áreas para abranger todo o plano estrutural esportivo. Mais tarde, em 1970, perde os terrenos, mas não as áreas construídas em General Severiano, que estavam abandonadas. Em 1993, retorna a esta antiga sede, novamente com área doada pelo governo estadual, onde é edificado um dos mais modernos complexos esportivos, com a necessidade de mais áreas para abranger todo o projeto, sendo estas doadas na primeira gestão do prefeito do Rio de Janeiro, César Maia. A sua inauguração, em 08 de fevereiro de 1993, contou com a presença de João Havelange.
O Vasco da Gama inaugura seu Estádio em São Januário em 1927, trazendo para a celebração não menos que o presidente da República, Washington Luís, Ministros de Estado e o presidente da CBD, Oscar Costa. O propósito era homenagear as personalidades pelas suas contribuições ao clube e ao esporte brasileiro, que estavam iniciando em outros moldes: natação com piscinas térmicas e cobertas, ginásios, pistas, terrenos para campos de modalidades, quadras abertas, estrutura para a parte social, etc., realizadas no decorrer dos anos. (Anuário Estatístico do Clube de Regatas do Vasco da Gama, 1998 e ASSAF & MARTINS, 1999).
A relação entre a identidade nacional e a cultura mostra que a nação é o contexto sócio-histórico dentro do qual o futebol se encaixa, salientando que o investimento emocional dos indivíduos nos elementos do contexto esportivo possui como fator fundamental a manutenção de símbolos.

Parte II. Flamengo: uma questão sociológica e histórica
O objetivo aqui é o mapeamento da polarização que se estabeleceu no mundo esportivo, na construção amadora do futebol brasileiro, na passagem do século XIX para o século XX. A hipótese é que a conformação de uma cultura de massa no início do século XX redefiniu o sentido e a lógica de estruturação do esporte contemporâneo, com ênfase na mercantilização do esporte-espetáculo, em detrimento de uma versão romântica. Entretanto, ambas as concepções parecem congruentes: o esporte desencadeia uma paixão coletiva no povo brasileiro e o futebol, concorrendo à modernização através da profissionalização, não descaracterizou o teor romântico popular da modalidade - o pensar, agir e torcer na condição de pertencimento ao grupo.

Capítulo I. A construção histórica do Flamengo
Uma saga romântica na fundação do Grupo de Regatas do Flamengo - a boemia, a aventura, os tons de uma tragédia marcam as origens do clube. O Flamengo de heróis e malandros está também carregado pela tradição de um bairro da cidade do Rio de Janeiro entre histórias e lendas do povo carioca, entre a "casa do branco" e o "clamor", o "grito", os quais viriam marcar a história do clube nas mais expressivas alusões.
Os ideais nacionalistas na data de sua fundação no dia 15 de novembro, os nomes indígenas dos barcos, não mais estrangeiros, não mais mitológicos; bem brasileiros, retirados das obras literárias de Tomás Antonio Gonzaga, da ópera "O Guarani" de Carlos Gomes, passando por Gonçalves Dias, José de Alencar aos relatórios das expedições de Cândido Rondon, tornando-se barcos inspiradores junto com seus remadores, personalizados nos poemas de Olavo Bilac, a ode à "Salamina". Esta época é marcada pela adesão do futebol pelo clube em 1903, cuja participação em campeonatos aconteceu somente em 1912. É neste teor romântico que se constrói a história do Flamengo, entre o remo e o futebol, que a partir da década de 1920, com o profissionalismo esportivo, continua a ser o "clube mais querido" do Rio de Janeiro, onde os rapazes do Flamengo faziam ainda questão de manter o ar moleque, alegre das festas da República da "Paz e Amor". As comemorações carnavalescas com reco-recos, cujo alvo preferido de suas arruaças e brincadeiras de "garajadas" era o Clube Vasco da Gama, adjetivamente "portugueses". Do campo improvisado da Praia do Russel, o terreno do Paissandu, o aluguel do Fluminense.

Capítulo II. Flamengo e o novo sonho: viver do futebol
Com a estruturação política, social econômica e do regime trabalhista da era Vargas ocorreram mudanças gerais na sociedade brasileira e uma nova administração surgiu para o esporte.
Flamengo: Amador + Profissional + Popular + ISMO
No caso do Flamengo, a relutância partiu do presidente do clube. Os jogadores recebiam os "bichos" e presentes dos sócios para jogar, mas estes também estavam dispostos a assumir salários. O presidente do Flamengo e da AMEA, Rivadávia Meyer, colocou-se como forte defensor do amadorismo, não admitindo o direito e o desejo dos jogadores se profissionalizarem. Certa ocasião, Meyer reagiria violentamente, ao ser entrevistado pelo jornal Diário Carioca, em 26 de janeiro de 1932, um ano antes de ser decretado oficialmente o profissionalismo no futebol, expressando sua ira:
Eu considero o jogador que quer se profissionalizar como um gigolô que explora a prostituta. O clube lhe dá todo o material necessário para jogar e se divertir com a pelota e ainda quer dinheiro? Isso eu não permitirei no Flamengo, o profissionalismo avilta o homem. (Diário Carioca, 26.01.1932).
O futebol que ultrapassa a simbiose dos ISMOS
O ponto culminante da popularidade do futebol é enfocado como a alegria e a tristeza da Copa de 1950, no Rio de Janeiro, no destoamento entre a comoção de crédito antecipado à derrota de 16 de julho. Onde na construção do maior estádio do mundo para o Brasil brilhar, teve o Flamengo como foco primordial.
Política, religiosidade e futebol
O futebol voltou a ser a alegria do brasileiro uma semana após a derrota, destacando a ênfase dada ao futebol e à concepção de uma época marcada pela "Simbiose dos ISMOS", romantismo, populismo, profissionalismo, civismo, patriotismo e flamenguismo.

Parte III. A invenção popular do Flamengo
O futebol do Clube de Regatas do Flamengo, dos literatos (jornalistas, cronistas, músicos, poetas, desenhistas, pintores e fotógrafos) e da expressão pública, se fez referência de uma cidade já caracterizada pela alegria do seu carnaval sendo inventado como uma tradição - o Flamengo.

Capítulo I. A expressão artística do Flamengo: Flamengo das caricaturas, Flamengo das fotografias e Flamengo das pinturas
Artistas plásticos, fotógrafos e desenhistas inspirados pela repercussão do futebol do clube pintaram o Flamengo. As caricaturas de Henfil e o "Urubu" enaltecem o cotidiano do clube, da cidade e do país, que pelas charges tem-se a visão de uma época elaborada na mais dura das críticas, ou seja, quando é "cômica". As fotografias mostram nos flashes surrealistas, instantes marcantes dentro e fora do estádio. Colaboram para a popularidade do Flamengo também as pinturas, telas que apreendem os momentos da emoção subjetiva do artista, seus sentimentos e apego ao clube.

Flamengo das caricaturas
Antes dos livros, filmes e do sucesso nacional da Graúna e de sua turma politizada, Henfil já era famoso entre os leitores do Jornal dos Sports com um grupo de divertidos personagens, liderados por um alucinado torcedor rubro-negro - o Urubu. Entre os personagens estão o Bacalhau (naturalmente, torcedor do Vasco da Gama), o Pó-de-Arroz (Fluminense), o Cri-Cri (Botafogo) e o Pó-de-Souza (um papagaio que tinha como principal diversão jogar penicos cheios na cabeça de seus desafetos). Através deles, Henfil retratava e criticava o futebol brasileiro dos cartolas, dirigentes esportivos e juízes como principais alvos. Expressões como "sacanagem", "baralho", "top-top", "putzgrila", "cacilda", "qiuspa", "cambuda de feladapata" e outras consagradas eram comuns no vocabulário não só dos torcedores do clube, mas também do cotidiano carioca. Outras como "Não me acordem!!!", onde o urubu aparece de olhos fechados, sorriso escancarado na boca, no final da década de 1970 e no início da de 1980, era mais que uma charge. Representava fielmente um estado de espírito do autor com relação ao Flamengo daquele tempo.
Henfil traduziu o sentimento da torcida nas charges e utilizou-as não somente para gozações ou críticas, mas também para campanhas como "Não à Violência", "Mulheres na Torcida", "Leve sua Bandeira", mostrando o retrato de uma época específica do futebol do Clube de Regatas do Flamengo, compondo também uma visão singular que o artista tinha do país do futebol.

Flamengo das fotografias
As imagens fotográficas do Flamengo são eminentemente surrealistas; encontra-se nelas a ressonância do envolvimento emocional e da comoção da cena fotografada, transformando-se numa questão interna que vai depender das experiências e vivências culturais, sociais e psicológicas de cada observador, sem permanecer atrelada a um conceito externo e absoluto. Segundo NIETZSCHE, "o que vale é o embalo que desperta a paixão, o ardor, a flama, a vontade de viver", que através de Zaratustra nada mais pretende do que remeter a nossa criatividade por meio das manifestações espontâneas (1998, p. 34).

Flamengo das pinturas
A "tela" como obra de cultura, expõe o sentimento através das mãos do artista que acredita expressar, pela forma, o que o pensamento extraiu do momento de emoção. Sua subjetividade está no pintar o pensar, está no agir, no fazer, no expressar o som do tom da coisa. A cor não é a mesma, une, não separa, está lá e colabora, não é opaca, é a sensibilidade. Sente e consente. A importância da arte do Flamengo é uma construção que se apóia nos valores emocionais: alegria, tristeza, caos, paixão, alienação, compulsão), expressada por lembranças - lugares, coisas, pessoas e emoções - sentimentos de identificação de bons e maus momentos, fantasias, sonhos e realidade compõem a memória de um clube, fazendo-se tradição.

Capítulo II. Flamengo como referencial musical
A partir deste capítulo, fazemos o mapeamento dos referenciais discursivos que participaram ativamente da construção da popularidade do Flamengo. Temos como hipótese que o referencial literário (jornalístico, artístico, poético, musical, etc.) contribuiu para a construção da identidade do Flamengo com valores populares. Na análise dos discursos notamos que há literatos que formam parte de um clube, assim como outras categorias sociais. Aceitamos que estamos diante de um processo circular: o esporte e, especialmente, o futebol tornou-se fonte de inspiração e suas materializações, por sua vez, contribuem para a criação de um fenômeno, desde simpatias até a força de um magnetismo.
O material literário cria vínculos com o futebol, não raro, atribuindo-se a expressão dos sentimentos de uma sociedade. Adjetivos como "nação" e "estado de alma", versos e reversos de glórias e derrotas expressam os sentimentos populares e confluem para a criação da "paixão nacional". O brasileiro torna-se um ser do futebol. Mais ser ainda quando visto na doença, na crítica, na inveja, na idolatria, no sofrimento. Desde Olavo Bilac a Vinícius de Morais o futebol, como linguagem, é motivo de paixão e de arte.
Flamengo e as canções populares
Na comparação das canções do Flamengo, a simbologia reveste as práticas de linguagem. A entoação do canto é legitimada por gestos, gritos, invocações, formas de cumprimentos, tons de voz e utilização de adereços (bandeiras, flâmulas, camisas coloridas) ressaltando, obviamente, o nome do clube.
O pólo do discurso do Flamengo também é um eixo subjetivo, que não pode deixar de ser o "desejo": "É meu maior prazer...", um formidável senso egoísta seguido de uma multiplicidade indefinida de termos fáticos, onde os números repetidos das ocorrências gramaticais operam um simulacro, compartilham com a polarização binária em que se pontuam opostos: o prazer e o desprazer (Freud), o prazer e a dor (Epicuro e Lucrécio), a alegria e a tristeza (Spinoza), a felicidade e a infelicidade (Diderot) (BODEI, 1995, p.198-202) e a "sedução" de BAUDRILLARD ao afirmar
(...) que a vertigem da sedução, assim como qualquer paixão, reside antes de tudo na predestinação. Somente ela confere essa qualidade fatal que está no fundo do prazer - essa espécie de tirada espirituosa que liga antecipadamente qualquer movimento da alma ao seu destino e a sua morte (2000, p.127).
Na utilização das imagens que as canções apresentaram, não tratamos aqui apenas do enfoque de um jogo esportivo, mas de uma demonstração que situa o futebol como uma das mais importantes manifestações da maneira de ser brasileiro, tal como se mostra no conjunto da nossa cultura: no romance e nas músicas, mais precisamente na poética das canções. Da cultura de massa à erudição acadêmica, na articulação deste esporte nos três níveis: no erudito, popular e de massa, passamos aos carnavalescos e poetas que contribuíram para a invenção popular do Flamengo.

Capitulo III. Dos Carnavalescos aos Poetas.
Sambas e músicas que animaram as festas no interior do clube e tomaram parte do carnaval tradicional da cidade do Rio de Janeiro. Neste tópico passamos aos Meus Versos...São Versos Teus...Flamengo aonde homens e mulheres poetaram o clube e seus heróis com seus enredos oníricos e rimas, colaborando para a sua popularidade.

O Carnaval do Flamengo: paixão e diversão
Trabalhamos com a hipótese de que o Flamengo começa a ser reconhecido, como parte da tradição local e nacional, a partir do momento em que passa a ser referência de um evento do mesmo nível no eixo das músicas do carnaval. Enquanto as canções estavam somente destinadas a enaltecer o clube, permanecia num território restrito de simpatizantes, ativistas e torcedores. Como enredo do carnaval mudam-se as perspectivas e o clube torna-se público e parte da tradição carioca e do carnaval como tradição nacional.
Das serestas e noitadas do início do século XX, dos reco-recos estrondeantes da garagem, das estúrdias da república "Paz e Amor", à turbulência do Café Rio Branco, das torcidas ululantes da beira da Lagoa à imensa torcida no Maracanã, o Flamengo é tema para os carnavalescos que, através de suas canções, exprimem também nas melodias suas desditas e gozações sobre as derrotas do clube que os versos de exaltação e a legenda "Tua Glória é lutar" ou "Uma vez Flamengo, sempre Flamengo" reafirmam a paixão pelo clube com compromisso e fidelidade: até morrer, na vitória e na derrota, sempre...
Para ALENCAR, "o hino do clube tornou-se uma das marchas carnavalescas preferidas pelos torcedores" acrescentando que (...) de qualquer forma o carnaval do Flamengo tem suas tradições. E uma delas eram os animados banhos de mar à fantasia que se realizavam no local fronteiro à sede 66/68, antigo 22, com extraordinária concorrência. Vinha gente dos bairros e subúrbios. Possuíam blocos como: "Eu Sozinho", "Tenentes do Diabo", "Uma Vez Flamengo, Sempre Flamengo", "Piranhas e Flamengos de Verdade", "Guarda Rubro-Negra" e outros tantos, animavam e disseminavam o hino do clube, mais tocado e ouvido em todos os carnavais do Rio, no Municipal e Brás de Pina. (1970, p.207-8).
Emoção, paixão e drama são termos comumente básicos na voz dos literatos, concebidos e corretamente utilizados socialmente através dos quais pode ser reconstruída a história de uma época. A ilustração pode ser dada pela evolução dos versos e prosas sobre o Flamengo. Os romancistas chegam a descrever figuras que se tornam cada vez mais tipos: o Malandro, o Pobre, o Burguês, o Cartola, o Negro, o Forte, o Fraco e o Oprimido, uma estátua - o Peladinho, Deus o santo, e o jogador o herói, são ilustrados e constituídos segundo uma lei formal que não está limitada a um caso único. Encontra-se nas palavras a evolução do corolário iconográfico que vai da cultura à tradição jornalística (como veremos mais adiante), passando por afinidades eletivas, onde progressivamente se libertam figuras supra-singulares que não estão mais limitadas a uma história particular ou a uma época precisa, mas podem servir de modelos e tornam-se ideais tipos transcendentes, nos quais cada um poderá se reconhecer.

Capítulo IV. Flamengo das crônicas e da literatura. A expressão pública e a invenção da tradição do Flamengo
Como expressão pública, encontramos um Flamengo reverenciado por religiosos, escritores, cronistas, jornalistas e políticos, cujas consagrações são relatadas de várias formas; desde devotadas e fervorosas evocações, simples expressões românticas às paixões desenfreadas. A história do Flamengo, como da maioria dos clubes esportivos brasileiros, é centenária e vem acompanhada de palavras significando raça, taça, conquistas, ídolos e heróis que marcaram presença no tempo e no espaço do cotidiano do Rio de Janeiro, reconhecidos pelo estilo de vida e revividos por cronistas, com sensibilidades necessárias à construção romântica do Flamengo como, por exemplo, HOMERO HOMEM (Mov. 21, do poema "Rei sem Sono"):
Rei no Maracanã Alma Garra Flama Gana Rubro é meu mal Negro seu sinal Alma Garra Gana Flama Na tribuna e na geral Rubro-negro é meu mal Alma Garra Gana Flama Sou cem mil na arquibancada Mais cem mil na social Alma, Garra, Gama, Flama Alga- Zarra Car- Naval No gramado e no placar Sou um zero triunfal.
Dizer que o artista, o poeta, o cronista, o jornalista, o músico se inscrevem numa função teatral, não significa invalidá-los a priori; ao contrário, significa reconhecer-lhes um papel social de importância, mas talvez não aquele que seus diversos leitores atribuem. Sua seriedade provém da função de simulacro, apesar do que pensam os atores e seus detratores, pois aqui, o que chamamos de real é bastante insignificante, embora seja justamente essa insignificância do "real" que constitua a grandeza do Flamengo. Ou seja, o encontro do acaso fez do Flamengo um acontecimento no âmago do "real"; entretanto, há um "irreal" irredutível, cuja ação está longe de ser desprezível - uma tradição inventada.
HOBSBAWM (1997, p. 22-23) assegura que:
A propósito, deve-se destacar um interesse específico que as "tradições inventadas" podem ter para a história moderna e contemporânea. Elas são altamente aplicáveis no caso de uma inovação histórica comparativamente recente à "nação" e seus fenômenos associados: o nacionalismo, o Estado nacional, os símbolos, as interpretações. Todos esses elementos baseiam-se em exercícios da engenharia social muitas vezes deliberados e sempre inovadores, pelo menos porque a originalidade histórica implica inovação. (...) Os conceitos devem incluir um componente construído ou "inventado". E é certamente porque grande parte dos constituintes subjetivos da "nação" moderna consiste de tais construções, estando associada a símbolos adequados e, em geral, bastante recentes ou a um discurso elaborado a propósito (tal como o da história nacional), o que o fenômeno nacional não pode ser adequadamente investigado sem dar-se a atenção devida à "invenção das tradições". Finalmente, o estudo da "invenção das tradições" é interdisciplinar. É um campo comum a historiadores, antropólogos sociais e vários outros estudiosos das ciências humanas e que não pode ser adequadamente investigado sem tal colaboração.
As alusões ao Flamengo não fogem às alegorias da tragédia e da comédia, entre o drama do teatro e o revés da vida na alegria eufórica do final do século XIX aos nossos dias, refletem na mística do magnetismo do rubro-negro, exaltam-no com versões nacionalistas, cívicas, no relacionamento entre o povo-nação e o clube. Das glórias às derrotas, dos contos, poemas e crônicas, da cultura de massa à erudição, encontramos nestas literaturas as mais distintas exacerbações, levadas às mais variadas manifestações culturais nas descrições caricatas, que recorrem à criação de tipos diversos, como símbolos e mascotes do clube: jibóia, sapo, urubu, galinha morta, Peladinho, Popeye, Zé Carioca, etc. Os literatos narram em suas descrições os teores românticos, a veemência ao mais querido, ao mais popular clube do país e inventam uma tradição - o Flamengo.


Referencial bibliográfico


KOWALSKI, Marizabel. Por quê Flamengo? Tese de Doutoramento. Rio de Janeiro: UGF, 2002. Livro digital. 388 páginas, e mais de 50 figuras, Arquivo .pdf 5 MB.


http://www.efdeportes.com/efd107/por-que-flamengo.htm

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