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sexta-feira, 27 de julho de 2007

Os Maiores Craques Da Crônica Esportiva

oceanus
Túlio Velho Barreto
Cientista Político e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco

Sem dúvida, os maiores craques da crônica esportiva brasileira foram José Lins do Rego e os irmãos Mario Filho e Nelson Rodrigues. Se não fossem da mesma geração poderiam ser comprados a Friedenreich, Leônidas e Pelé ou Domingos, Zizinho e Garrincha. Mas contemporâneos podem ser comparados ao meio-de-campo formado por Clodoaldo, Gérson e Rivellino . Infelizmente, os três não tiveram sucessores à altura, apesar da qualidade de João Saldanha, Armando Nogueira e Luis Fernando Veríssimo, por exemplo, e da profusão de craques que se sucedem dentro das quatro linhas. Para Nelson Rodrigues, o mais passional, exagerado e genial deles, foi Mario quem "inventou" a crônica esportiva brasileira, assim como a mítica do Fla-Flu. Para tanto, ampliou o espaço do futebol na imprensa e deu-lhe uma linguagem própria, em que "a palavra era viva, úmida, suada". Tudo começou quando Mario publicou uma longa entrevista com o goleiro Marcos de Mendonça, em 1926. Anos depois, já chefe de esportes de O Globo, foi dirigir, antes de comprá-lo, o Jornal de Sports, onde montou uma tribuna em defesa da construção de estádio municipal no bairro do Maracanã. Daí, após sua morte, o maior estádio de futebol do mundo ter recebido seu nome, numa justa homenagem. Para o irmão, Mario era "um desses homens fluviais", dos que banham e fertilizam gerações, e deveria ter sido enterrado no Maracanã, pois merecia "que o velassem multidões imortais". Enquanto Nelson era torcedor fanático e declarado do Fluminense, Mario parecia nutrir uma paixão secreta e platônica pelo Flamengo. Às vezes parecia tentar se justificar: "Por que o Flamengo tornou-se o clube mais amado do Brasil? Porque o Flamengo se deixa amar à vontade". Dizia, também, que fora tricolor só até 1928, quando passou a torcer pelas seleções brasileira e carioca. Segundo conta Ruy Castro, um dos netos de Mario Filho achava que o avô fosse rubro-negro, pois vibrava mais com as vitórias do Flamengo. Mas se Mario "inventou" a crônica esportiva, Nelson criou as personagens, imagens e expressões mais perenes. Por exemplo: o "Sobrenatural de Almeida", responsável pelo inexplicável no futebol; a "grã-fina de narinas de cadáver", que, em pleno Maracanã, costumava indagar "quem é a bola?"; o ceguinho tricolor, seu álter-ego; o óbvio ululante; a burrice do vídeo-teipe e dos intelectuais, verdadeiros "idiotas da objetividade" e seres incapazes de cobrar um mísero lateral e muitos outros. José Lins do Rego - Zelins, para os amigos - escreveu mais de mil crônicas esportivas no Jornal dos Sports, além de um romance ligado ao futebol, Água-mãe. Lamentava ter descoberto o futebol apenas aos 37 anos, quando o Brasil foi terceiro lugar na Copa de 1938. Era apaixonado pelo Flamengo. Não se constrangia em afirmar "vou ao futebol e sofro como um pobre-diabo" e assistir diariamente aos treinos do Flamengo. Certa vez, Zelins chamou o treinador do Vasco de "caviloso", o que gerou uma série de mal-entendidos e o levou a conhecer a fúria de sua torcida. Sobre o episódio, o próprio Zelins escreveu: "A um escritor muito vale o aplauso, a crítica de elogios, mas a vaia, com a gritaria, as laranjas... os palavrões, deu-me a sensação de notoriedade verdadeira". Noutra oportunidade, também em Soa Januário, envolveu-se numa briga com policiais e acabou preso, o que se repetiu durante a Copa de 1950. Mas Zelins não era apenas um torcedor apaixonado pelo Flamengo. Foi um de seus dirigentes e presidiu delegações do clube em viagem ao exterior, quando descobriu que o futebol já era produto de exportação equivalente ao café, e promoveu campanha financeira para o Brasil ir à Copa de 1954, após rebordosa de 50. Foi através de Zelins que Mario Filho conheceu alguém que o influenciaria de forma definitiva: o sociólogo e escritor Gilberto Freyre. De tal relação resultou o prefácio de Freire para O negro no futebol brasileiro, um clássico da historiografia e sociologia acerca do tema e seu livro mais importante. E ambos, de certa forma, serviram aos propósitos de Getúlio Vargas de usar o futebol, assim como samba, para construir nossa identidade nacional. O jornalista Ruy Castro selecionou crônicas de Mario Filho em O sapo de Arubinha e de Nelson em À Sombra das chuteiras importais e A pátria em chuteiras. Nelson Rodrigues Filho organizou O profeta tricolor, com crônicas do pai sobre o Fluminense. O escritor Edilberto Coutinho pretendia fazer o mesmo com Zelins e chegou a lançar Zelins, Flamengo até morrer, com resumos de várias crônicas, que serviram de base para Flamengo é puro amor, organizado por Marcos de Castro. Já os vários livros de Mario Filho, o mais profícuo deles, estão fora de catálogo. Mas nem tudo está perdido. Ademais, as crônicas e livros desses craques vêm sendo "descobertos" por estudantes de pós-graduação e ganhando análises mais acadêmicas. Felizmente, alguns dos estudos estão sendo publicados e não ficarão restritos às bibliotecas universitárias. O mais novo é Com brasileiro, não há quem possa! Futebol e identidade nacional em José Lins do Rego, Mario Filho e Nelson Rodrigues, em que a autora, Fátima Antunes, usa crônicas para revelar a contribuição de cada um - em especial a alquimia usada por eles - para a caracterização e difusão do estilo brasileiro de jogar o chamado esporte bretão, ou seja, o que hoje chamamos de "futebol-arte". Mostra ainda como Gilberto Freyre está na origem das idéias sobre caráter e identidade nacionais, tão em evidência nos anos 30, que permeiam os textos analisados. De fato, é relevante destacar que Freyre abordou de forma recorrente a transformação do apolíneo futebol britânico no dionisíaco futebol brasileiro e travou estreita relação pessoal e intelectual com nossos três craques. E o livro, resultado de uma tese de doutoramento em Sociologia na USP, além de recuperar dezenas de crônicas, dá, enfim, aos textos esportivos de Mario Filho, Nelson e Zelins a dimensão e a importância que devem ter. Imperdível para os amantes e estudiosos do já tão brasileiro esporte bretão.

(Publicado no Jornal do Brasil - Rio de Janeiro, em 11/12/2004 - Seção Idéias - página 06)



Mário Filho - (Recife, 3 de junho de 1908 — Rio de Janeiro, 17 de setembro de 1966)
Nascido na capital pernambucana, Mário Filho transferiu-se para o Rio de Janeiro ainda durante a infância, em 1916. Iniciou a carreira jornalística ao lado do pai, Mário Rodrigues, então proprietário do jornal A Manhã, em 1926, como repórter esportivo, um ramo do jornalismo ainda inexplorado.
Entusiasta do futebol, Mário Filho dedica páginas inteiras à cobertura das partidas dos times cariocas. Em Crítica, segundo jornal de propriedade de seu pai, Mário revolucionou o modo como a imprensa mostrava os jogadores e descrevia as partidas, adotando uma abordagem mais direta e livre de rebuscamentos, inspirado no linguajar dos torcedores. Vem desta época a popularização do "Fla-Flu", expressão que muitos julgam ter sido criada pelo próprio Mário.
Após a morte de seu pai e o fim de Crítica (que dirigiu por poucos meses), Mário fundou aquele que é considerado o primeiro jornal inteiramente dedicado ao esporte em todo o mundo, O Mundo Sportivo, de curta existência. No mesmo ano (1931) passa a a trabalhar no jornal O Globo, ao lado de Roberto Marinho, seu companheiro em partidas de sinuca. Leva para o jornal o mesmo estilo inaugurado em Crítica e ajuda a tornar o futebol -- então uma atividade da elite -- um esporte de massas.
Em 1936 compra de Roberto Marinho o Jornal dos Sports Lá, Mário criou os Jogos da Primavera em 1947, os Jogos Infantis em 1951, o Torneio de Pelada no Aterro do Flamengo e o Torneio Rio-São Paulo, que cresceu e se tornou o atual Campeonato Brasileiro. Os outros esportes, como as regatas e o turfe, também mereciam de Mário uma cobertura apaixonada.
No final dos anos 40, Mário lutou pela imprensa contra o então vereador Carlos Lacerda, que desejava a construção de um estádio municipal em Jacarepaguá, para a realização da Copa do Mundo de 1950. Mário conseguiu convencer a opinião pública carioca de que o melhor lugar para o novo estádio seria no terreno do antigo Derby Clube, no bairro do Maracanã, e que o estádio deveria ser o maior do mundo, com capacidade para mais de 150 mil espectadores.
Em coluna que escrevia no Jornal dos Sports, Mário Filho confessou na década de 50, que torcera pelo Fluminense a maior parte de sua vida, mas que parou de torcer por este clube ou por qualquer outro já havia alguns anos, para poder analisar o futebol com isenção .
Consagrado como o maior jornalista esportivo de todos os tempos, Mário faleceu de um ataque cardíaco, aos 58 anos. Em sua homenagem, o antigo Estádio Municipal do Maracanã ganhou o nome de Estádio Jornalista Mário Filho.
O grande teatrólogo e cronista Nélson Rodrigues, irmão de Mário Filho, homenageou-o com o jargão "o criador de multidões", pela sua importância na popularização do futebol no Rio de Janeiro e no Brasil .
Mário Filho teve papel fundamental na criação da mística do Fla-Flu .
Obras esportivas: Copa Rio Branco (1932), Histórias do Flamengo (1934), O Negro no Futebol Brasileiro (1947), Romance do Football (1949), Copa do Mundo de 62 (1962), Viagem em Torno de Pelé (1964)


Nelson Rodrigues (Recife, 23 de agosto de 1912 — Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1980)
Nascido na capital pernambucana e quinto de quatorze irmãos, Nelson Rodrigues mudou-se para o Rio de Janeiro ainda criança, onde viveria por toda sua vida.
Como cronista esportivo, Nélson escreveu textos antológicos sobre o Fluminense clube para o qual torcia fervorosamente, a maioria deles publicados no Jornal dos Sports. Junto com seu irmão, o jornalista Mário Filho, Nélson foi fundamental para que o Fla-Flu tenha conquistado o prestígio que tem, como grande clássico do futebol brasileiro .
Obras esportivas: A pátria sem chuteiras, À sombra das chuteiras imortais
 
Fonte: http://ueba.com.br/forum/lofiversion/index.php/t24241.html

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